A Rússia sentiu a possibilidade de que a Europa
poderia “piscar” primeiro. E, nesta expectativa, fez movimentos, até arrojados,
no quadro geopolítico mais amplo da guerra da Ucrânia. A estatal russa de
energia avisou, na segunda-feira, dia 25 de julho, que as exportações de gás –
especialmente para a Alemanha – estavam reduzidas a 20% da capacidade do
gasoduto Nord Stream. E foi direto ao motivo: as sanções. Na semana passada os
russos devolveram os 40% de entrega do gás porque a Europa garantiu a devolução
de uma turbina desse mesmo gasoduto enviada ao Canadá para manutenção. Porém,
interpôs entraves burocráticos para a efetiva devolução.
O entrave foi quase cinematográfico. A empresa
alemã Siemens Energy, responsável pelo serviço, não forneceu a documentação
necessária para a etapa final da entrega até território russo. Pior, disse que
foi a Rússia quem não emitiu a documentação necessária. O Kremlin apenas
agiu e, mudou o tom, no sutil jogo diplomático, assinado na sexta-feira entre
Ucrânia e Rússia para a abertura do comércio de grãos no Mar Negro, patrocinado
pela ONU e pela Turquia.
Esse acordo contemplava o pedido russo de proteção
às companhias de transporte e de garantias de que não sofreriam sanções por
transportar produtos russos, incluindo fertilizantes. Também incluía o
“descongelamento de fundos” de bancos russos pela União Europeia. Era um bom
começo de conversa, embora os ucranianos tenham tentado “manter as aparências”
de dureza, negando-se até a assinar o mesmo documento dos russos. Um teatro
típico dos novos tempos das redes sociais. O fato é que algum entendimento
tinha acontecido.
Não é difícil pensar que os europeus agiram sem o
devido “consentimento” dos americanos. E, estes, impuseram nuvens escuras no
clima de quase entendimento entre Bruxelas e Moscou. Com a recessão à porta e
com o inverno chegando não é difícil entender que os europeus queriam “algum”
acordo com os russos para manter o fluxo de gás.
É neste contexto que se entende os movimentos de
Moscou no quadro geopolítico mais amplo. Na semana passada Sergey Lavrov, o
poderoso ministro das Relações Exteriores russo, alertou que os objetivos
militares do Kremlin poderiam ir além do Donbass, um claro sinal de que a
guerra em toda a Ucrânia, e não só no Leste, poderia voltar. Na sexta-feira o
acordo foi assinado. E, na segunda, a documentação da turbina do Nord Stream
ficou retida. Na terça feira, Lavrov avançou mais uma casa neste jogo, avisando
que os objetivos russos poderiam incluir a libertação da Ucrânia do seu “regime
inaceitável”, óbvia referência ao fim do regime de Volodymr
Zelensky.
O drama ficou novamente mais denso para os
europeus, quando o presidente do Ifo, o poderoso instituto de pesquisa alemão,
Clemens Fuest, avisou que a Alemanha “está à beira de uma recessão” com forte
queda do índice de confiança dos empresários do país. O Kremlin, depois de mais
um ciclo de oscilações dos europeus, apenas continuou “jogando o seu jogo”. Sem
esquecer que China e Índia confirmaram o interesse de continuar a comprar
petróleo e gás russo.
Esse é o ponto. A guerra da Ucrânia marca o começo do redesenho do mapa geoeconômico do mundo. É fato que continuar a entender o ocidente como o único “motor de desenvolvimento” do mundo é algo ultrapassado. O Fundo Monetário Internacional avisou que a desaceleração do PIB russo será bem menor do que a prevista no início do conflito. O banco central russo mostrou as vantagens para economia da “desdolarização” forçada dos negócios internos e externos russos. Vários bancos internacionais fizeram a mesma análise. A perspectiva necessária é que o equilíbrio de forças (principalmente econômicas) abre algum espaço para a mesa de negociação da guerra. Ou seja, como não posso destruir meu inimigo, terei de conversar com ele. Esse sinal pode ser muito promissor. Os milhões de civis vítimas inocentes dessa guerra agradecem a mera possibilidade.
Leonardo
Trevisan - professor de economia e relações internacionais
na ESPM. Mestre em História Econômica, doutor em Ciência Política e pós-doutor
em Economia do Trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário