Mais político do que técnico, julgamento do STF sobre contribuição substitutiva gerou forte sensação de insegurança no meio especializado e entre as empresas
Em sessão realizada em 23/02/2021, o
Supremo Tribunal Federal, STF, decidiu que é lícita a incidência da
Contribuição Previdenciária Sobre a Receita Bruta, CPRB, do Imposto sobre
a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. A decisão se deu por maioria de
7 x 4, liderada pelo voto do Ministro Alexandre de Moraes, que contém o
seguinte e decisivo trecho.
“Não poderia a empresa aderir ao novo
regime de contribuição por livre vontade e, ao mesmo tempo, querer se
beneficiar de regras que não lhe sejam aplicáveis. Ora, permitir que a
recorrente adira ao novo regime, abatendo do cálculo da CPRB o ICMS sobre ela
incidente, ampliaria demasiadamente o benefício fiscal, pautado em amplo debate
de políticas públicas tributárias”, escreveu o ministro em seu voto.”
O entendimento do STF, que deve
custar cerca de R$ 9 Bi aos contribuintes, é deliberadamente mais político que
técnico – e tecnicamente questionável – em linha com o que tem sido a tônica
recente da Corte. A CPRB é chamada de “contribuição substitutiva” porque
empresas de diversos setores puderam, nos últimos anos, optar por recolhê-la em
substituição à contribuição previdenciária “regular” de 20% sobre a folha de
pagamentos.
O primeiro ponto questionável no
entendimento do Supremo é o de que a CPRB representaria um “benefício”. A CPRB
incide à alíquota de 1% sobre o faturamento das empresas. A opção é exercida de
modo irretratável para todo o ano, irretratabilidade essa que o Governo Federal
tentou burlar já por duas vezes nos últimos anos, mas trata-se de outro
assunto. Os contribuintes projetam números, exercem a opção e fazem figas, sem
a certeza de que no fim do dia – no caso, do ano – arcarão com uma carga
tributária realmente menor. Trata-se de uma decisão que vigerá ao longo de doze
meses de vicissitudes, uma aposta calculada, de maneira alguma um “benefício”
certo. Levando às últimas consequências o entendimento do Supremo, também seria
“benefício” o mero exercício de opção pelo lucro presumido ou pelo lucro real,
apenas por ter o contribuinte preferido uma de duas alternativas. O mesmo
valeria para a escolha entre apuração cumulativa ou não cumulativa do PIS e da
COFINS.
O essencial, porém, é que o voto do
Ministro Alexandre de Moraes se posta no palco do “debate de políticas
públicas”, virando as costas para a perspectiva técnico-constitucional do
Direito Tributário. A prioridade ao julgar, parece, é cada vez menos o
entendimento detalhado da incidência tributária, desde as regras
constitucionais de competência até as leis instituidoras dos tributos, passando
pela assimilação da correlação dessas normas com a contabilidade e com as
finanças, para então se definir a constitucionalidade ou não de determinada
exigência. No caso, o menor dos problemas é o contribuinte faturar ou não ICMS
para si, é lateral, acessória, a questão de o imposto destacado ser sua própria
receita ou receita dos Estados. Mais e mais, trata-se de escolher
(essa é a palavra) se se está ou não diante de uma situação que “ampliaria
demasiadamente” um “benefício fiscal”. A propósito, o que seria uma “ampliação
demasiada”? De duas, uma: ou um algoritmo complexíssimo (e oculto) que o defina
foi utilizado para compor a ratio decidendi do voto, ou
então se tratou mesmo de pura e simples arbitrariedade.
O que é certo é que o julgado gerou
forte sentimento de insegurança no meio especializado e entre as empresas. A
percepção é de que “tudo é possível” em Brasília. As entrelinhas da decisão do
STF geram preocupação sobre o que pode acontecer no julgamento dos embargos de
declaração, há anos pendentes de apreciação – demora que é por si só
insegurança – no âmbito do Tema 69 da Corte, a “tese das teses” já julgada por
nossa Suprema Corte.
Nela, o Supremo definiu que “o ICMS não compõe a base de cálculo para
fins de incidência do PIS e
da COFINS”.
Mas, será mesmo?
Seria hora de alterar a pontuação da
frase? Afinal de contas,
“o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e
da COFINS”?
Espera-se que não se passe da
insegurança ao caos absoluto, rumo a uma jurisdição tributária “invertebrada”.
Matheus Curioni - bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. É
advogado associado de CSMV Advogados, atuante em
Direito Tributário nas áreas de consultoria e contencioso.
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