sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Contribuição Substitutiva sobre o ICMS: Direito Tributário ou "Políticas Públicas"?

Mais político do que técnico, julgamento do STF sobre contribuição substitutiva gerou forte sensação de insegurança no meio especializado e entre as empresas


Em sessão realizada em 23/02/2021, o Supremo Tribunal Federal, STF, decidiu que é lícita a incidência da Contribuição Previdenciária Sobre a Receita Bruta, CPRB,  do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. A decisão se deu por maioria de 7 x 4, liderada pelo voto do Ministro Alexandre de Moraes, que contém o seguinte e decisivo trecho.

“Não poderia a empresa aderir ao novo regime de contribuição por livre vontade e, ao mesmo tempo, querer se beneficiar de regras que não lhe sejam aplicáveis. Ora, permitir que a recorrente adira ao novo regime, abatendo do cálculo da CPRB o ICMS sobre ela incidente, ampliaria demasiadamente o benefício fiscal, pautado em amplo debate de políticas públicas tributárias”, escreveu o ministro em seu voto.”

O entendimento do STF, que deve custar cerca de R$ 9 Bi aos contribuintes, é deliberadamente mais político que técnico – e tecnicamente questionável – em linha com o que tem sido a tônica recente da Corte. A CPRB é chamada de “contribuição substitutiva” porque empresas de diversos setores puderam, nos últimos anos, optar por recolhê-la em substituição à contribuição previdenciária “regular” de 20% sobre a folha de pagamentos. 

O primeiro ponto questionável no entendimento do Supremo é o de que a CPRB representaria um “benefício”. A CPRB incide à alíquota de 1% sobre o faturamento das empresas. A opção é exercida de modo irretratável para todo o ano, irretratabilidade essa que o Governo Federal tentou burlar já por duas vezes nos últimos anos, mas trata-se de outro assunto. Os contribuintes projetam números, exercem a opção e fazem figas, sem a certeza de que no fim do dia – no caso, do ano – arcarão com uma carga tributária realmente menor. Trata-se de uma decisão que vigerá ao longo de doze meses de vicissitudes, uma aposta calculada, de maneira alguma um “benefício” certo. Levando às últimas consequências o entendimento do Supremo, também seria “benefício” o mero exercício de opção pelo lucro presumido ou pelo lucro real, apenas por ter o contribuinte preferido uma de duas alternativas. O mesmo valeria para a escolha entre apuração cumulativa ou não cumulativa do PIS e da COFINS.

O essencial, porém, é que o voto do Ministro Alexandre de Moraes se posta no palco do “debate de políticas públicas”, virando as costas para a perspectiva técnico-constitucional do Direito Tributário. A prioridade ao julgar, parece, é cada vez menos o entendimento detalhado da incidência tributária, desde as regras constitucionais de competência até as leis instituidoras dos tributos, passando pela assimilação da correlação dessas normas com a contabilidade e com as finanças, para então se definir a constitucionalidade ou não de determinada exigência. No caso, o menor dos problemas é o contribuinte faturar ou não ICMS para si, é lateral, acessória, a questão de o imposto destacado ser sua própria receita ou receita dos Estados. Mais e mais, trata-se de escolher (essa é a palavra) se se está ou não diante de uma situação que “ampliaria demasiadamente” um “benefício fiscal”. A propósito, o que seria uma “ampliação demasiada”? De duas, uma: ou um algoritmo complexíssimo (e oculto) que o defina foi utilizado para compor a ratio decidendi do voto, ou então se tratou mesmo de pura e simples arbitrariedade.

O que é certo é que o julgado gerou forte sentimento de insegurança no meio especializado e entre as empresas. A percepção é de que “tudo é possível” em Brasília. As entrelinhas da decisão do STF geram preocupação sobre o que pode acontecer no julgamento dos embargos de declaração, há anos pendentes de apreciação – demora que é por si só insegurança – no âmbito do Tema 69 da Corte, a “tese das teses” já julgada por nossa Suprema Corte.

Nela, o Supremo definiu que “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”.

Mas, será mesmo?

Seria hora de alterar a pontuação da frase? Afinal de contas, “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”?

Espera-se que não se passe da insegurança ao caos absoluto, rumo a uma jurisdição tributária “invertebrada”.

      

                                     

Matheus Curioni - bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. É advogado associado de CSMV Advogados, atuante em Direito Tributário nas áreas de consultoria e contencioso.


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