As palavras epidemia e pandemia são substantivos femininos
utilizados para designar uma enfermidade que ataca muitas pessoas ao mesmo
tempo (epidemia) e que já se espalhou por todo o mundo (pandemia). Hoje
passamos por uma pandemia e, como já ficou bastante claro, o seu combate
provoca consequências para todas as pessoas e em todos os contextos econômicos
e sociais. Um desses contextos é o do pagamento de taxas de condomínio e de
aluguéis, afetado em razão da diminuição ou da completa impossibilidade de
obtenção de renda por pessoas físicas e jurídicas.
A pergunta que se faz é a seguinte: poderá o condômino deixar de
honrar com uma ou com ambas as obrigações? A resposta dada para a maioria dos
problemas jurídicos, assim como o que se apresenta, é “depende”. Antes de
procurarmos as respostas, valeria outra pergunta: não seria a redução da
prestação (condomínio ou aluguel) possível e, em sendo, não seria ela mais
interessante para a superação do momento de dificuldade enfrentado por todos?
Pensemos na situação do proprietário do imóvel. Caso ele seja o
proprietário e residente, a obrigação de pagar o aluguel inexiste, mas a
obrigação de pagar o condomínio sim. O proprietário deve estar ciente de que a
obrigação de pagar o condomínio não é proveniente de contrato, mas sim do fato
de ser ele o proprietário do bem. Como diz o art. 1.315 do Código Civil, “o
condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas
de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver
sujeita”.
Portanto, aquele que adquire um bem em condomínio (muito comum em
edifícios de apartamentos) sabe de antemão que estará obrigado a pagar a taxa
necessária à sua conservação e a outros ônus que possam surgir, obrigação esta
que perdurará enquanto for proprietário do bem. Dadas essas características, e
em tempos normais, dificilmente a perda do emprego será aceita como hipótese de
caso fortuito ou força maior para justificar o incumprimento da obrigação de
pagar o condomínio. Aliás, a perda do emprego já não é aceita pelos tribunais
brasileiros para justificar o incumprimento de obrigações contratuais, tais
como as decorrentes de empréstimos, por exemplo.
Entretanto, não vivemos tempos normais. Não estamos falando apenas
na perda do emprego, mas sim, para muitos, na completa impossibilidade de busca
por uma recolocação ou uma fonte alternativa de renda, e isso por prazo
incerto. Afinal, o principal meio de combate à pandemia é, no momento, o
isolamento social.
Nesse cenário, sobressai a importância do papel exercido pelos
síndicos e administradores de condomínio. É importante que esses profissionais
analisem o caixa do condomínio e tenham o diagnóstico completo de suas
necessidades e das despesas para fazer frente a elas pelos próximos meses.
Feito isso, é importante que tenham um papel proativo na
negociação de alternativas com os condôminos. A diminuição da taxa, por
exemplo, pode não ser imprescindível para todos os condôminos, mas se for
possível sustentar a manutenção do condomínio pelos próximos meses mesmo com
uma redução, ela certamente trará um alívio para as contas de muitas pessoas.
O combate à epidemia gera consequências em cadeia. Cada despesa
cortada pelo condomínio agora e cada redução de despesa que reflita
positivamente nas contas dos condôminos pode representar um emprego mantido, um
medicamento adquirido ou qualquer outro consumo de bem ou serviço. Em outras
palavras, é mais interessante e proveitoso para todos que as cadeias de consumo
sejam mantidas e não interrompidas para que a economia continue girando, ainda
que em ritmo mais lento. Isso vale para todos, pessoas físicas e jurídicas.
Em último caso, se não houver negociação a questão poderá ser
levada ao Judiciário, o que não é nada interessante. Ir ao Judiciário
significará mais despesas, para o condomínio e para o proprietário, e a
ampliação da cadeia de consequências do combate à pandemia, já que a tendência
é o aumento do número de demandas nos próximos meses. De toda forma, é possível
que a questão seja resolvida com base no art. 317 do Código Civil, que diz:
“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o
valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor
real da prestação”.
Foi com base neste dispositivo que o juízo da 25ª Vara Cível de
Brasília deferiu liminar recentemente para suspender em parte o contrato de
locação entre um lojista e um shopping center, permitindo que somente o aluguel
incidente sobre o faturamento e os encargos condominiais sejam pago pelos
próximos meses (processo nº 0709038-25.2020.8.07.0001).
A solução para o problema do aluguel segue o mesmo caminho até
aqui delineado, mas pode ser alcançada de maneira mais fácil. Isso porque
enquanto a negociação da taxa condominial pode demandar o envolvimento do
síndico, do administrador, do proprietário e até mesmo de todos os condôminos,
a negociação do aluguel está limitada entre locador e locatário.
A principal recomendação é negociar para que a questão não seja
levada ao Judiciário, mas caso isso aconteça é importante que as partes estejam
preparadas para demonstrar a efetiva necessidade de redução ou mesmo do não
pagamento do aluguel. Em outras palavras, a pandemia não pode ser utilizada,
por si só, para justificar o inadimplemento do contrato. É necessária a efetiva
comprovação de que as medidas de combate causaram consequências diretas na
capacidade financeira do locatário.
Em uma situação de normalidade o inadimplemento do aluguel pode
levar ao despejo, conforme previsto no art. 59, § 1º, IX, da Lei nº 8.245/91,
mas, como já dissemos, não estamos em um momento de normalidade.
A tendência é a de que o Judiciário não conceda despejos pelos
próximos meses, caso o fundamento seja o inadimplemento de aluguéis e acessórios
durante o período de combate à pandemia. Evidentemente, cada caso demandará a
devida análise de suas peculiaridades, tais como, por exemplo, a eventual
essencialidade do recebimento do aluguel para a manutenção da vida do próprio
locador.
As peculiaridades dos casos poderão refletir até mesmo no
cumprimento de mandados de despejo já autorizados antes das medidas de
isolamento social, como ocorreu em processo em trâmite na 12ª Vara Cível de São
Paulo/SP, no qual o juízo determinou a suspensão do cumprimento por 30 dias,
tendo em vista que a pessoa a ser despejada era uma idosa e vulnerável
(processo nº 1012923-71.2019.8.26.0100). Pensando em regulamentar situações
como essas o Projeto de Lei nº 1179/2020, apresentado pelo Senador Antônio
Anastasia, prevê a impossibilidade de despejos liminares até o dia 31 de
dezembro de 2020. Estava prevista também a possibilidade de suspensão total ou
parcial do pagamento de aluguel até o dia 30 de outubro de 2020, mas o
dispositivo foi retirado pela relatora Senadora Simone Tebet e é provável que
não seja reincluído pela Câmara.
Enfim, a situação do condomínio e do aluguel demonstra que os
problemas gerados pelo combate à pandemia estão encadeados e que as soluções
pontuais tendem a não ser eficazes. É extremamente importante que as partes
estejam dispostas e prontas para negociar, pensando em soluções que, ainda que
não sejam as melhores para o interesse individual de cada qual, possam refletir
positivamente na cadeia de problemas que está sendo enfrentada por toda a sociedade.
O nosso ordenamento jurídico prevê soluções para esses problemas,
mas demandar o Judiciário deve ser evitado a todo custo.
Lincoln
Romão Leite - advogado da área de Contencioso Cível Estratégico do Neves,
De Rosso e Fonseca Advogados. É especialista em Direito Processual Civil pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP. Possui Extensão em
Arbitragem pela PUS-SP. E tem larga experiência na área de Direito, com
ênfase em Direito Civil, Processual Civil e Comercial.
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