Estamos vivendo um triste momento de crise mundial que tem exigido muito
de todos nós, situação que é um consenso. De igual modo, o trabalho que estamos
tendo em nossos prédios para manter as áreas comuns fechadas, impedindo obras,
tratando com funcionários, enfim, um verdadeiro gerenciamento de crise, o que
tem levado o nível de desgaste do gestor ao limite e fazendo inclusive muitos
síndicos renunciarem justamente no momento em que o condomínio mais precisa
deles. As questões centrais neste momento são: 1) Como proceder com o mandato
vencido do síndico sem a possibilidade de realização de assembleia e 2) a
viabilidade da realização da assembleia virtual.
- Mandato vencido
O término do mandato do síndico com certeza é um grande problema a ser
superado neste momento de pandemia, pois estamos diante da impossibilidade de
se realizar assembleias por força dos decretos em âmbito Municipal, Estadual e
Federal que impedem aglomeração de pessoas.
Em tempos normais a orientação óbvia é que o condomínio eleja seu
representante legal antes do término do mandato.
Precisamos considerar que com a impossibilidade involuntária de eleição
de novo representante legal do condomínio, o antigo síndico continua no mandato
até a nova eleição, mesmo considerando que poderá haver prejuízo com esta
medida, tais como; a falta de representatividade para representar o condomínio
em juízo ou perante as instituições financeiras.
Neste sentido, em muitos casos se faz mister o ingresso com medida
judicial para garantir a representatividade do condomínio perante as
instituições financeiras, caso estas não renovem a procuração para movimentação
da conta bancária do condomínio. Neste sentido:
“Trata-se de pedido de jurisdição voluntária com o
único propósito de
validar a administração do Condomínio durante o
período de pandemia instalada pelo 'COVID-19 – CONONAVÍRUS', uma vez que a
Assembleia Ordinária para eleição de síndico não pode ser realizada, devido a
determinação de isolamento e quarentena.
É certo que em condomínios com grande número de
unidades, na
normalidade, os interesses são distintos, o que
pode causar discussões, algumas vezes acaloradas, ou meramente democráticas.
Entretanto, levando-se em consideração o estado
social e de saúde atual
que vive o País e, principalmente o Estado de São
Paulo, epicentro da 'crise', a providência do Condomínio é mais que prudente. É
humanitária. Sendo absolutamente possível postergar por alguns meses nova
eleição. O que não pode ocorrer é deixar o Condomínio acéfalo, sem direção e
representante para administração e responsável.
Assim sendo, levando em consideração o contexto da
situação, DEFIRO A LIMINAR para estender o mandato do síndico e
corpo diretivo do Condomínio até que o Governo do Estado ou a Prefeitura do
Município libere os cidadãos da quarentena imposta.”
Decisão de primeira Instância da 2ª Vara Civel do Foro
Reginal da Lapa da Comarca da São Paulo-SP, Processo nº
1003376-67.2020.8.26.0004
Quanto ao término do mandato do síndico o imortal J, Nascimento Franco
aduziu: “ Quando termina o prazo do mandato do síndico sem a eleição de outro,
duas soluções podem ocorrer para se evitar a acefalia do condomínio: o síndico
continua até a eleição no exercício da função, ou a transfere ao subsíndico, se
existir, ou, ainda, a qualquer outro membro do conselho Fiscal, que deverá
convocar logo uma Assembleia para eleger nova administração”
J. Nascimento e Franco, 5ª edição Editora Forense, 2009.
Nas situações acima destacadas pelo imortal J. Nascimento Franco,
entendo que os atos praticados necessariamente devam ser ratificados em
assembleia a ser convocada no momento possível.
E ainda, podemos nos socorrer, utilizando por analogia ao Condomínio
Voluntário, temos no Art. 1.324 do CC, que o condômino que administrar sem
oposição dos outros presume-se representante comum.
- Assembleia virtual
A assembleia virtual não encontra um procedimento específico na
legislação condominial, o que podemos observar é que o artigo 1.350 do Código Civil determina que: “convocará o
síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma
prevista na convenção (...)”.
Assim, este dispositivo de lei (art. 1.350 do CC) possibilita que a
convenção de condomínio estabeleça a forma e os parâmetros para realização de
assembleias virtuais, caso não esteja prevista tal possibilidade no ato de
instituição do condomínio, somente será possível implementar a votação virtual
com a condição de alteração da Convenção com o voto de 2/3 dos condôminos.
De tal sorte, que, a assembleia virtual esteja prevista na Convenção, a
realização de uma assembleia virtual requer provas de que todos
condôminos foram convocados, que os participantes são realmente os condôminos,
que as decisões foram discutidas, e que a redação da ata condiz com o que
foi deliberado.
Situações que por si abrem margem para impugnações e por isso as
assembleias virtuais são pouco usadas e não recomendadas mesmo antes da
pandemia.
O direito condominial por algumas vezes utiliza-se por analogia a
sistemática das empresas de capital aberto para sanar questões ainda não
previstas na legislação condominial.
E neste sentido, sobre a assembleia virtual no âmbito das S/A, a LEI Nº
12.431, DE 24 DE JUNHO DE 2011/ Conversão da Medida
Provisória nº 517, de 2010, institui:
“Art. 121.
.....................................................................
Parágrafo
único. Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar
a distância em assembleia geral, nos termos da regulamentação da Comissão de
Valores Mobiliários.” (NR)
Assim, a Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), que disciplina, normaliza e fiscaliza a atuação dos
diversos integrantes do mercado de Capitais emitiu Ofício 257/2008 definindo
que uma "assembleia on-line" é aquela que funciona por meio de voto
por procuração eletrônica específica para cada acionista/cotista.
Sendo neste caso, o
acionista/cotista possui um prazo para votar que, via de regra, é da data de
publicação do edital de convocação até um dia antes da assembleia. Esse período
pode variar de acordo com a política interna e com o estatuto social/regulamento
de cada companhia ou fundo. Ou seja, no caso das S/A a assembleia física ocorre
mesmo com a coleta antecipada de votos de forma virtual.
Quanto as
assembleias virtuais no âmbito condominial, temos em tramitação o
PROJETO DE LEI N° 548, DE 2019, o qual acrescenta art. 1.353-A à Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002, para permitir à assembleia de condomínios
edilícios votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta
individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando
a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria. De
autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS). Destaco que a assembleia virtual
neste caso somente seria possível para casos de quórum especial.
Em momentos como este que estamos vivendo, um verdadeiro estado de
“exceção”, os poderes do síndico se asseveram, pois, pelas restrições legais,
inviável convocar assembleias para deliberar o que seria corriqueiro em tempos
normais. Ao síndico caberá fazer o que for preciso, sempre de encontro com os
preceitos constitucionais, as leis, os decretos emergências, e ter a ciência
que irá responder pelos excessos e prejuízos à massa.
A tomada de decisões deve estar neste momento único de pandemia,
respaldada pela vontade colegiada do conselho face a impossibilidade de
convocação de assembleia.
Sendo que a realização de assembleias virtuais sem que exista a previsão
na convenção ou lei aprovada neste sentido, as decisões em ambiente virtual
representarão uma pseudo sensação de segurança e, em um segundo momento, quando
a vida se normalizar, teremos uma enxurrada de pedidos judiciais de
cancelamento de assembleias virtuais ocorridas no momento da pandemia, que
foram realizadas contrariando o ordenamento jurídico.
As medidas administrativas por parte dos síndicos, que estejam em
consonância com o momento atual e tenham a razoabilidade necessária, mesmo que
possa parecer autoritário neste momento, tem respaldo legal, pois o síndico age
por mandato e seus atos podem ser posteriormente ratificados. Diferentemente de
uma assembleia virtual que, por exemplo, ocorra sem a convocação de todos, e
teria nulidade insanável, se agravando pelo fato de que os gestores que
realizarem assembleias virtuais não terão a tendência de submeter tais decisões
a assembleia quando o momento passar, acreditando que já o fizeram de forma
virtual.
E nesse sentido, e de encontro com o acima aduzido, faz sentido que o
síndico, munido do seu poder de mandato, com a incumbência de agir em
prol da sua comunidade, a qual a ele delegou poderes, tome as decisões
necessárias para manter a gestão do seu condomínio saudável, seja para o
fechamento de áreas comuns, seja para a suspensão momentânea do fundo de obras.
Temos que ter sempre em mente que em tempos
normais o síndico deve submeter grande parte dos seus atos de gestão à
aprovação de assembleia, tais como: realização de obras, compra de
equipamentos, suspensão ou realização de rateios extras, entre outros, mas que
também, dentro do exercício das suas funções, o síndico tem o poder/dever de
tomar medidas administrativas sem que necessariamente precise passar pela
assembleia, como por exemplo: multar unidade infratora, efetuar reparos
emergenciais, soltar circulares, entre outros. Isso porque parte das suas
atribuições estão pré-definidas na Convenção e aprovada em assembleia. E
em momentos de pandemia (Covid-19), quando decretos e recomendações da
Organização Mundial de Saúde cerceiam o funcionamento de empresas, impõem
quarentena, isolamento social, confere ao síndico que algumas medidas sejam
tomadas mesmo sem a aprovação em assembleia.
Dr.
Rodrigo Karpat - Advogado militante na área cível há mais de 15 anos, é sócio
fundador do escritório Karpat Sociedade de Advogados e considerado um dos
maiores especialistas em direito imobiliário e em questões condominiais do
país. Além de ministrar palestras e cursos em todo o Brasil, é colunista da
ELEMIDIA, do portal IG, do site Síndico Net, do Jornal Folha do Síndico,
do Condomínio em Ordem e de outros 50 veículos condominiais, além de ser
consultor da Rádio Justiça de Brasília e ter aparições em alguns dos
principais veículos e programas da TV aberta, como É de Casa, Jornal Nacional,
Fantástico, Programa Mulheres, Jornal da Record, Jornal da Band, etc.
Também é apresentador do programa Vida em Condomínio da TV CRECI.
Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) e professor da FAAP. É Coordenador de Direito Condominial na Comissão
Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP e Integrante do Conselho de Ética e
Credenciamento do Programa de Auto-regulamentação da Administração de
Condomínios – PROAD.
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