Em
um cenário de adversidade política e econômica, aliado ao aumento da
intensidade das chuvas do último verão no Centro-Sul do país, a questão da
crise hídrica brasileira vem sendo considerada como resolvida por parte da
sociedade. Apesar de compreensível diante de outras graves questões
presentes nos noticiários nestes dias, é preciso retomar essa discussão para
que de fato consigamos reverter a tendência de exaustão de nossos aquíferos,
especialmente aqueles que abastecem as maiores regiões metropolitanas brasileiras.
É preciso alertar a população e os gestores públicos para as consequências
desta situação, que não é nova mais tem sido agravada nos últimos anos.
Precisamos
ter consciência das décadas que são necessárias para que uma floresta seja
recuperada a ponto de ser útil para a efetiva proteção de nascentes e
mananciais de abastecimento público. Por isso as regiões com déficits de florestas
naturais precisam urgentemente de programas de replantios, enriquecimentos e
proteção dos remanescentes ainda existentes, pois quando novos momentos
críticos se apresentarem, não serão obras pontuais e às pressas que resolverão
a situação.
Degradar
as fontes hídricas é colocar em risco a própria atividade econômica do país.
Apesar da água estar envolvida em todas as atividades necessárias para a
sobrevivência humana, não temos cuidado desse recurso indispensável. A recente
crise hídrica no Brasil nos deu uma ideia de como a situação pode se agravar
rapidamente, trazendo transtornos significativos à população e, portanto, sabemos
que a questão da água está longe de ser resolvida, especialmente em São
Paulo.
Julho
é, historicamente, um mês de pouca quantidade de chuvas, na região Sudeste.
Dessa forma, os reservatórios paulistas contam com os níveis alcançados nos
meses anteriores, na estação chuvosa. O volume registrado nos últimos dias no
Sistema Cantareira é de aproximadamente 47%, considerando o índice 3 informado
pela SABESP, o que deve servir para abastecer o estado até que volte a chover.
Nesse número não está contabilizado o volume morto, que, como o próprio nome já
indica, não deve ser usado. Levar em conta o volume morto como garantia de água
nos reservatórios seria como confiar no valor do cheque especial para cobrir
suas despesas. É arriscado demais contar com um possível recurso externo futuro
para cobrir um gasto excessivo no presente.
É
importante frisar também que o que ocorreu recentemente em São Paulo é apenas
um exemplo do que acontece com frequência em outras regiões do país, como o
Semi-Árido Nordestino e até mesmo algumas áreas do Sul do país, como o Alto
Uruguai entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul.
Dessa
forma, não é possível prever a reversão do quadro da crise da água, porque
diversos fatores que interferem nesse processo ainda não foram resolvidos, como
o desmatamento do entorno dos reservatórios, o mau uso dos solos, a expansão
urbana e a falta de tratamento dos efluentes urbanos e industriais, para citar
apenas alguns exemplos.
Para
garantir a continuidade do fornecimento de água é indissociável a necessidade
de conservação das matas ciliares, que protegem rios e nascentes. Elas possuem
papel relevante na conservação dos recursos hídricos, funcionando da mesma
forma que os cílios para a proteção dos olhos.
Infelizmente a situação atual é
desanimadora: nossas matas estão abertas, mas nossos olhos parecem estar
fechados. Prova dessa “cegueira” é o fato do retrocesso permitido pelo Código
Florestal aprovado em 2012 pelo Congresso Nacional, que reduziu a proteção do
entorno dos rios, nascentes e reservatórios, chamadas áreas de preservação
permanente (APPs), que em alguns casos foram reduzidos para apenas cinco
metros, ainda com a possibilidade de ser recuperados com a utilização de
espécies arbóreas não nativas da flora brasileira.
A maioria
dos brasileiros tem hoje consciência de que a água é fundamental para a vida
humana e precisa ser conservada. Todavia, sair da certeza passiva para a ação é
o desafio para mudar de vez esse cenário e a relação que se tem com o recurso
natural mais importante para a sobrevivência em nosso planeta.
Como
de costume o poder de mudança está em nossas mãos, precisamos decidir em que
vamos apostar as nossas fichas: nas florestas que nos oferecem água, alimentos,
oxigênio, e muito mais ou na destruição da natureza e no consumo desenfreado
que causam desiquilíbrios em toda cadeia biológica e que se refletem em
prejuízos diversos à qualidade de vida na Terra, sendo o de impacto mais
imediato, a escassez de água. Portanto, não podemos deixar que esse tema caia no
esquecimento, sob o risco da situação se agravar ainda mais nos próximos anos.
A decisão agora é nossa! Nossos filhos e netos contam conosco!
Emerson Oliveira - Engenheiro Agrônomo, Doutor
em Engenharia Florestal e Coordenador de Ciência e Informação da Fundação Grupo
Boticário de Proteção à Natureza.
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