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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Gestação e Zika




A gestação é um momento de mudanças importantes na vida da gestante e de sua família, que envolve desenvolvimento de novos papéis, tais como o materno e o paterno, a revisão da divisão de tarefas e certas definições financeiras e profissionais. Mesmo quando planejada, a gravidez costuma ser permeada de sentimentos e de experiências positivas e contraditórias, tais como medo e coragem, angústia e serenidade, autoconfiança e insegurança.  Os pais, passam a ter parte da liberdade reduzida e necessitam fazer muitos acordos entre si, com seus familiares e amigos, e no ambiente de trabalho. Quando apenas um progenitor se encarrega dos cuidados com a gravidez e posteriormente com a criança, necessita de muito suporte da rede social (familiares, amigos, profissionais das áreas sociais, de saúde e de educação).
O grande desafio de gerar e de cuidar de um novo ser, também pode se tornar muito complexo, quando há estressores externos demasiados ou intensos, como é o caso de suspeita e de diagnóstico de infecção por zika vírus nas mães. Neste caso, relações adequadas, de suporte e de afeto, são de fundamental importância para que a mãe tenha suas necessidades supridas durante a gestação e a primeira infância de seu filho (a) e para que todos os envolvidos como pai, mãe e  filhos, estejam bem.
Condições materiais e de moradia adequadas, acesso a serviços de saúde de qualidade e a informações consistentes sobre sua saúde e sobre o desenvolvimento do bebê, são tão fundamentais quanto o suporte familiar. O atendimento por profissionais atualizados, dispostos a acolher e a orientar progenitores e familiares, é primordial, como parte do suporte da rede de serviços (equipamentos jurídicos, sociais, educacionais e de saúde). Do contrário, se uma gestante não recebe informações consistentes e se existem riscos na gravidez, fica extremamente vulnerável, em sofrimento e desespero, podendo adoecer, com prejuízos  físicos,  psíquicos e sociais, em um momento em que necessita cuidar de si e do seu bebê, quando não, de outros filhos.
O medo de perder o bebê, de ter um filho com deficiência, de não saber cuidá-lo, de possivelmente ter que vê-lo sofrer preconceitos, que é frequentemente vivenciado por gestantes, se agiganta com o fantasma das consequências da infecção por zika vírus e demandam suporte familiar, médico e psicológico. Dúvidas, angústias, fantasias e medos precisam ser expressos e reduzidos de forma consistente. Equipes multidisciplinares, atualizadas, com profissionais que trabalham em conjunto e de forma alinhada, transdisciplinar, podem ser bastante eficazes.
Se de fato o bebê nasce com microcefalia, com problemas auditivos, visuais, ou outros, espera-se que seja acompanhado em seu desenvolvimento global, que expresse suas habilidades e desejos, ganhe autonomia e se relacione bem. Paralelamente aos cuidados básicos consigo e com o bebê, a mãe precisa ser amparada e ter garantido um espaço para rever seus sonhos, suas expectativas pessoais, amorosas, profissionais e familiares, dar continuidade ao seu desenvolvimento e ao exercício de outros papéis além da maternidade: parceira, trabalhadora, filha, irmã, amiga, cidadã.
Os pais, que muitas vezes ficam em segundo plano por atitudes próprias, dos demais familiares, da mãe e dos profissionais que a acompanham, não podem ficar esquecidos, independentemente da existência ou não de doenças ou riscos na gravidez. Necessitam de informações, de apoio, e por questões da nossa desigual educação de gênero, frequentemente precisam ser encorajados, estimulados a cuidar e a dar apoio emocional a suas parceiras ou à mãe do bebê, quando não há um vínculo estabelecido entre progenitores. Poucos homens são educados para cuidar. Muitos ainda pensam que há cuidados que são “coisas de mulher”. Parte deles, também não sabe lidar de forma pacífica com os conflitos; foge literalmente, ou passa a usar substâncias de forma abusiva, como forma de lidar com conflitos e dificuldades.
O pai que tem apoio e a coragem de enfrentar os desafios que acompanham a vinda de um filho(a) ao mundo e o seu desenvolvimento, tem o privilegio de conviver com o mesmo; se enriquece, e ao mesmo tempo dá ao filho o que tem de melhor: seu exemplo de enfrentamento de dificuldades, seu amor, sua companhia, sua capacidade de prover, em um sentido amplo. Prepara o (a) filho (a) e a si mesmo para uma sociedade menos desigual, onde homens e mulheres dividem espaços e tarefas com equidade.
Há muito o que ser dividido por quem cuida, além dos esforços para obtenção de recursos para alimentação, educação, vestimenta, saúde e moradia. Um novo ser precisa aprender a relacionar-se, a respeitar a si, ao outro e ao ambiente; precisa construir sonhos, acreditar em boas perspectivas de vida. Muita coisa para uma mãe, sozinha, preocupada, sobrecarregada com cuidados com filhos, sem suporte adequado para a educação, lazer e para garantia do bem-estar da família, para a manutenção de sua casa e para a continuidade de sua carreira e desenvolvimento.
Mas e quando o pai não estiver vivo ou não puder ser localizado? Neste caso, conversar com a criança na medida em que se mostre interessada, sobre o que se passou, adequando a linguagem a cada etapa de vida da mesma, evitando excessos de julgamentos e de expressão impulsiva de raiva, é positivo.
Vale lembrar, que avôs (as), irmãos, irmãs, tios (as), cunhados (as), podem ser uma fonte rica de modelos, de afeto e de proteção aos bebês e às crianças, às suas mães e também aos seus pais, quando existirem.
Há muitas formas de ser família e de garantir o bem-estar e a saúde. Porém, sobrecarga e abandono, geram sofrimento. Sobrecarga e sentimento de abandono em um momento em que se carrega um bebê no ventre, com muitas dúvidas sobre seu futuro, são violentos. A violência se reproduz e se alastra. Atravessa gerações!

Marianne Ramos Feijó - Professora Assistente Doutora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru. Coordena pesquisa sobre uso de álcool e de violência, conjugalidade e trabalho, com auxílio da Fapesp.

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