A gestação
é um momento de mudanças importantes na vida da gestante e de sua família, que
envolve desenvolvimento de novos papéis, tais como o materno e o paterno, a
revisão da divisão de tarefas e certas definições financeiras e profissionais.
Mesmo quando planejada, a gravidez costuma ser permeada de sentimentos e de
experiências positivas e contraditórias, tais como medo e coragem, angústia e
serenidade, autoconfiança e insegurança.
Os pais, passam a ter parte da liberdade reduzida e necessitam fazer
muitos acordos entre si, com seus familiares e amigos, e no ambiente de
trabalho. Quando apenas um progenitor se encarrega dos cuidados com a gravidez
e posteriormente com a criança, necessita de muito suporte da rede social
(familiares, amigos, profissionais das áreas sociais, de saúde e de educação).
O grande
desafio de gerar e de cuidar de um novo ser, também pode se tornar muito
complexo, quando há estressores externos demasiados ou intensos, como é o caso
de suspeita e de diagnóstico de infecção por zika vírus nas mães. Neste caso,
relações adequadas, de suporte e de afeto, são de fundamental importância para
que a mãe tenha suas necessidades supridas durante a gestação e a primeira
infância de seu filho (a) e para que todos os envolvidos como pai, mãe e filhos, estejam bem.
Condições
materiais e de moradia adequadas, acesso a serviços de saúde de qualidade e a
informações consistentes sobre sua saúde e sobre o desenvolvimento do bebê, são
tão fundamentais quanto o suporte familiar. O atendimento por profissionais
atualizados, dispostos a acolher e a orientar progenitores e familiares, é
primordial, como parte do suporte da rede de serviços (equipamentos jurídicos,
sociais, educacionais e de saúde). Do contrário, se uma gestante não recebe
informações consistentes e se existem riscos na gravidez, fica extremamente
vulnerável, em sofrimento e desespero, podendo adoecer, com prejuízos físicos,
psíquicos e sociais, em um momento em que necessita cuidar de si e do
seu bebê, quando não, de outros filhos.
O medo de
perder o bebê, de ter um filho com deficiência, de não saber cuidá-lo, de
possivelmente ter que vê-lo sofrer preconceitos, que é frequentemente
vivenciado por gestantes, se agiganta com o fantasma das consequências da
infecção por zika vírus e demandam suporte familiar, médico e psicológico.
Dúvidas, angústias, fantasias e medos precisam ser expressos e reduzidos de
forma consistente. Equipes multidisciplinares, atualizadas, com profissionais
que trabalham em conjunto e de forma alinhada, transdisciplinar, podem ser
bastante eficazes.
Se de fato
o bebê nasce com microcefalia, com problemas auditivos, visuais, ou outros,
espera-se que seja acompanhado em seu desenvolvimento global, que expresse suas
habilidades e desejos, ganhe autonomia e se relacione bem. Paralelamente aos
cuidados básicos consigo e com o bebê, a mãe precisa ser amparada e ter
garantido um espaço para rever seus sonhos, suas expectativas pessoais,
amorosas, profissionais e familiares, dar continuidade ao seu desenvolvimento e
ao exercício de outros papéis além da maternidade: parceira, trabalhadora,
filha, irmã, amiga, cidadã.
Os pais,
que muitas vezes ficam em segundo plano por atitudes próprias, dos demais
familiares, da mãe e dos profissionais que a acompanham, não podem ficar
esquecidos, independentemente da existência ou não de doenças ou riscos na
gravidez. Necessitam de informações, de apoio, e por questões da nossa desigual
educação de gênero, frequentemente precisam ser encorajados, estimulados a
cuidar e a dar apoio emocional a suas parceiras ou à mãe do bebê, quando não há
um vínculo estabelecido entre progenitores. Poucos homens são educados para
cuidar. Muitos ainda pensam que há cuidados que são “coisas de mulher”. Parte
deles, também não sabe lidar de forma pacífica com os conflitos; foge
literalmente, ou passa a usar substâncias de forma abusiva, como forma de lidar
com conflitos e dificuldades.
O pai que
tem apoio e a coragem de enfrentar os desafios que acompanham a vinda de um
filho(a) ao mundo e o seu desenvolvimento, tem o privilegio de conviver com o
mesmo; se enriquece, e ao mesmo tempo dá ao filho o que tem de melhor: seu
exemplo de enfrentamento de dificuldades, seu amor, sua companhia, sua
capacidade de prover, em um sentido amplo. Prepara o (a) filho (a) e a si mesmo
para uma sociedade menos desigual, onde homens e mulheres dividem espaços e
tarefas com equidade.
Há muito o
que ser dividido por quem cuida, além dos esforços para obtenção de recursos
para alimentação, educação, vestimenta, saúde e moradia. Um novo ser precisa
aprender a relacionar-se, a respeitar a si, ao outro e ao ambiente; precisa
construir sonhos, acreditar em boas perspectivas de vida. Muita coisa para uma
mãe, sozinha, preocupada, sobrecarregada com cuidados com filhos, sem suporte
adequado para a educação, lazer e para garantia do bem-estar da família, para a
manutenção de sua casa e para a continuidade de sua carreira e desenvolvimento.
Mas e
quando o pai não estiver vivo ou não puder ser localizado? Neste caso,
conversar com a criança na medida em que se mostre interessada, sobre o que se
passou, adequando a linguagem a cada etapa de vida da mesma, evitando excessos
de julgamentos e de expressão impulsiva de raiva, é positivo.
Vale
lembrar, que avôs (as), irmãos, irmãs, tios (as), cunhados (as), podem ser uma
fonte rica de modelos, de afeto e de proteção aos bebês e às crianças, às suas
mães e também aos seus pais, quando existirem.
Há muitas
formas de ser família e de garantir o bem-estar e a saúde. Porém, sobrecarga e
abandono, geram sofrimento. Sobrecarga e sentimento de abandono em um momento
em que se carrega um bebê no ventre, com muitas dúvidas sobre seu futuro, são
violentos. A violência se reproduz e se alastra. Atravessa gerações!
Marianne Ramos Feijó - Professora Assistente Doutora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru. Coordena pesquisa sobre uso de álcool e de violência, conjugalidade e trabalho, com auxílio da Fapesp.
Nenhum comentário:
Postar um comentário