Muitas evidências sinalizam que o mundo e o homem
não serão os mesmos após o Covid 19. O vírus virou o epicentro e nos igualou.
Dentro do caos, constatamos o que sempre soubemos, mas não valorizávamos, ate
sermos apresentados a ele: somos seres finitos e pequenos. Limitados na
auto suficiência.
A pandemia potencializou nossas fragilidades e
reforçou a dependência do outro. Hoje, vivendo em isolamento, estamos saudosos
dos abraços, dos beijos do carinho e da aproximação calorosa que sempre
foi nossa marca, enquanto seres sociáveis. Somos afetuosos e criados para
a conexão. Estamos reaprendendo, forçadamente, a nos conectar com o
mundo pelas redes. Buscando a proximidade virtual com os que amamos através das
telas. Sim, é um teste à nossa intimidade, trazendo profunda alteração das
relações humanas. Gestos tão familiares, como um aperto de mão ou um beijo no
rosto, tornaram-se obsoletos e hoje são condenados por serem potenciais
condutores do tão temido vírus.
O Corona criou novos modelos de cumprimento: toques
de cotovelo e acenos de longe. Fabricou personagens paramentados para uma
guerra, com máscaras, luvas e armados de potes de álcool em gel. Aliás, este
item tornou-se protagonista da prevenção e do cuidado, assim como a lavagem das
mãos que deve durar o tempo de dois "parabéns à você " inteiros.
Marcas profundas deixadas nas pessoas em todo o mundo. No Irã, por
exemplo, o lema atual é: " Não aperto sua mão porque te amo".
E quando tudo isso passar, teremos uma vida sem toque?
Se entendermos que o homem é um ser que, por sua racionalidade, sabe explorar a
necessidade das adaptações, podemos nos deparar com um amanhã onde a distância
seja normal e aceitável. Historicamente, as próximas gerações poderão estar tão
habituadas às novas modalidades de afeto que, podem levantar dúvidas de que um
dia, ao nos encontrarmos, os cumprimentos eram recheados por beijo no
rosto, abraços ou apertos de mão, que simbolizavam nossa satisfação ao ver um
amigo no shopping.
A sensação de perda do mundo, de uma forma inédita
e forçada, nos obriga a repensar valores primários, diálogos, união e
intimidade. Nosso modo de estar no mundo não é mais o mesmo. O medo de tudo e
do externo, do que vem de fora, cria a couraça da proteção e demarca fronteiras
nos laços sociais.
Olhando o cenário, temos um narcisismo abalado,
onde deixamos de ser o centro do mundo. Somos incentivados a colocar em prática
a humildade para reconhecer que podemos falhar. Aceitar que não somos
fortes o tempo todo e nem super heróis invencíveis. E tudo bem por isso.
Não tenho idéia como o mundo será após a
pandemia. Ninguém tem. Mas fortes indícios levam a crer que o toque não
será o mesmo. A relação interpessoal não será a mesma. O diálogo com a natureza
também será modificado. A valorização em geral, certamente, sofrerá mudanças
profundas, pois os pequenos detalhes passarão a ser mais perceptíveis.
Poderemos valorizar mais o que antes não tinha importância.
Enfim, apesar de amarmos a proximidade e o contato
humano, a pandemia veio para mostrar que alguns resgates estão sendo feitos e,
de forma necessária, tirando o homem de sua zona de conforto. Resta saber
se quando tudo isso passar, saíremos mais humanos do que quando tudo começou.
Ao experimentarmos a sensação, mesmo que inconsciente, da finitude e da
perda do mundo, somos levados a rever nosso papel no universo. E é essa
reflexão que irá nortear nossos próximos passos e fortalecer hábitos e mudanças
que poderão ser corriqueiras e normais às gerações futuras. Gerações que
encontrarão nos livros de história o Covid 19 como epicentro do marco das
transformações de toda uma humanidade.
Dra Andrea Ladislau
Psicanalista
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