Estamos no meio de uma pandemia
causada pelo novo coronavírus. Fomos pegos de surpresa por um vírus que nos
levou ao isolamento social e chegamos a uma situação a qual não estávamos
acostumados. Gostamos do contato físico, do abraço apertado, dos apertos de
mãos, dos afagos e de reunir pessoas queridas. Porém, fomos levados ao
afastamento, inclusive de nossos familiares.
Creio que todos ficaram
surpresos quando os governos deram ordem para a suspensão das aulas. Foi neste
momento que a maior parte das pessoas se deu conta da gravidade da situação.
Isso, porque jamais, na história do nosso país, suspendemos aulas por tanto
tempo. É neste clima de incertezas, de notícias fervilhando, de aumento no
número de casos e de mortes devido ao agravamento da doença provocada pelo
vírus, que percebemos as nossas fragilidades enquanto indivíduos.
Além do combate ao vírus, o
governo tenta inúmeras estratégias para amenizar o problema com a economia a
fim de não avançarmos para uma recessão profunda. Em paralelo, pais, educadores
e instituições de ensino precisam lidar com a falta de garantia de aulas
presenciais, um direito dos menores garantido pela Constituição Federal.
Em meio a este cenário, a
implantação do "homeschooling" (as aulas online em casa) se fez
necessária. Os alunos recebem as atividades e são orientados por seus
professores por meio de uma plataforma digital. A ideia não é nova. Na
realidade, foi colocada como meta para os primeiros 100 dias de gestão do
governo do presidente Jair Bolsonaro, copiando um modelo vigente na Europa.
Há mais de cinco anos, a
Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) defende a legalização e
regulamentação da modalidade no País. A sugestão é de que sejam estabelecidas
regras para que os órgãos públicos possam acompanhar as crianças que são
educadas em casa. O surpreendente é que, no final das contas, o homeschooling
foi instituído pela pandemia em um país onde, culturalmente, os alunos não
estão acostumados a praticar a educação à distância, ou seja, em
casa.
As plataformas digitais são
aliadas da educação especialmente no caso das escolas particulares, uma vez que
a ferramenta é cara para as instituições e exige, além disso, que os próprios
alunos tenham recursos, como notebook e internet. Por conta disso, essa acaba
sendo uma realidade distante para as escolas públicas.
A verdade é que essa é uma
saída plausível diante da crise de saúde que estamos enfrentando. É uma forma
de garantir a Educação, mesmo que de forma adaptada, enquanto os alunos
não podem sair de casa. Em contrapartida, também deve nos apresentar muitos
problemas e “pedir” uma série de adaptações. É importante, por exemplo, que ao
menos um responsável esteja presente e acompanhe a criança durante as aulas. É
incontestável que há falta de preparo de muitos professores para lidar com as
novas tecnologias, assim como há falta de uma plataforma com adequação para as
crianças não alfabetizadas, caso da Educação Infantil e das séries iniciais do
Ensino Fundamental.
O fato é que a Internet sempre
foi uma ferramenta aliada nas aulas presenciais, mas nunca havia sido
protagonista, o meio essencial para que as aulas ocorressem de fato. Por um
tempo ainda não determinado, tudo que teremos serão as aulas online. Os alunos
seguirão privados dos encontros sociais que ocorrem na escola. A comunicação
direta com as famílias também será prioritariamente digital e os professores
farão reuniões em vídeo conferência para planejar as aulas.
Como educadora, faço alguns
questionamentos. Teremos a certeza de que esta forma de educar é eficaz? Deixar
crianças e adolescentes apenas em casa não faria da aprendizagem uma formação
enquadrada apenas nos valores familiares aos quais ela pertence? Como serão
feitas as avaliações das crianças que estão em "homeschooling"? Que
base curricular as escolas terão para avaliar estas crianças?
Há, ainda, outras indagações.
Como ficam as crianças oriundas de famílias sem estudos, sem condições de
ensinar corretamente, sem computadores e internet? Não estamos provocando uma
exclusão social maior ainda? Será que, com essa nova modalidade de ensino, não
geraremos ou intensificaremos ainda mais os preconceitos?
Precisamos discutir o papel
social e formador das escolas. Afinal, crianças e adolescentes não a frequentam
apenas para aprender a ler e escrever. O papel da escola vai além. Ela integra
as crianças e ajuda a formar personalidade. É o ambiente para aprender a fazer
relacionamento, onde os grupos de amigos têm origem e os jovens começam a
entender que a sociedade é democrática e abrangente. Também é na escola que
passamos a entender as diversidades, que nos comunicamos com pessoas de classes
sociais, costumes e gostos diferentes. Aprendemos e ensinamos. Passamos nossas
experiências e adquirimos novas.
O lugar de crianças e
adolescentes é na escola. É lá que eles começam a fazer parte de algo, sonham,
participam, criam condições, são incentivados em todas as áreas, começam a ter
contanto com a pesquisa científica.
O momento pede muita reflexão.
Ainda não podemos nos pautar apenas pelo que acontece nos países europeus,
visto que eles estão muito a frente quando o assunto é educação. Necessitamos,
primeiro, dar mais autonomia aos alunos, exercitar mais a capacidade de
raciocínio lógico, da interatividade, do crescimento emocional e do despertar
do movimento cognitivo e motor.
A família sozinha não educa e a
escola também não. Caminhar juntos é o que gera resultado. Nos países europeus,
onde a experiência do “homeschooling" deu certo, foi criado um período de
estudo para pais e alunos interagirem com outras famílias, algo que não foi
visto em nenhum momento na proposta brasileira. Na urgência, foi esquecido que
aprendizagem não se constrói apenas com livros, mas nas experiências e
exemplos. Temos muito o que aprender para ensinar sem ferir a integridade
moral, física e psicossocial dos alunos. É tudo muito complexo, mas, com
certeza, vamos encontrar a maneira ideal de enfrentar a situação atual.
Impressionante como um vírus
pode provocar tantas mudanças. Isso me faz vê-lo por vários prismas. Em
especial, enxergo o coronavírus como uma prova de vida ao ser humano. De forma
simples e diferente, estamos sendo testados. As pessoas estão vivendo em
“bolhas”, tendo contato apenas com grupos sociais de pensamento, credo,
conceitos e pré-conceitos semelhantes. Estávamos perto, mas distantes. Agora,
fomos obrigados a ficar distantes, mas praticando o egocentrismo nos aproximamos.
Enfim, estamos separados, mas próximos. Começamos a pensar uns nos outros,
igualamo-nos em resiliência, coragem e fé. Estamos antenados com o mundo,
queremos saber como estão outras pessoas, ficamos preocupados com a população
mundial.
Talvez, levar nossos alunos
para as aulas virtuais seja uma boa maneira deles entenderem o papel da escola.
Em casa, as famílias têm a oportunidade de se aproximar mais. Os pais podem
ajudar os filhos, criar regras, rotina, ensiná-los a aprender e aprender com eles.
Fomos obrigados a nos isolar, mas nunca vi a sociedade tão próxima, tão
fraterna, grata a vida, aos seus semelhantes. Pessoas tentando ajudar outras a
viver bem no isolamento social. Jamais vi tantas mãos dadas à distância.
Estamos separados fisicamente, mas unidos em mente e alma. Vamos enfrentar mais
este desafio das aulas online e provar que somos capazes de manter a raça
humana viva e com o coração pulsando em prol dos nossos irmãos fraternos.
Quando nos tiram a liberdade de ir e vir, nós provamos que através da mente
podemos nos conectar com o universo!
Sueli Bravi Conte -
especialista em educação, mestre em neurociências, psicopedagoga, diretora e
mantenedora do Colégio Renovação, instituição com mais de 35 anos de atividades
do Ensino Infantil ao Médio, com unidades nas cidades de São Paulo e
Indaiatuba.
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