São Paulo, a
cidade que nunca para de crescer e que recebe em confraternização indivíduos
migrantes e imigrantes, desde o século XIX. Passados 200 anos, ainda revela
suas complexas construções históricas. Comportamentos advindos de um passado
moderno e arcaico ao mesmo tempo, impregnam os espaços visíveis (bairros centrais
- classes médias e abastadas) e invisíveis (periferias) da cidade. Como mosaico
de múltiplas cores, valores, culturas e comportamentos, a terra dos
bandeirantes revela-se preconceituosa com relação a lugar, raça/etnia e classes
sociais.
Em um de seus
bairros, região do Glicério (centro), seis haitianos, que na busca de condições
dignas de vida, sem possibilidade de permanência em seu país, migraram para a
cidade e foram baleados covardemente. Sem motivos aparentes, se tornaram alvo
de radicalismos desumanizadores. Socorridos em um hospital, após duas
tentativas em unidades de saúde sem sucesso, ganharam da terra paulista marcas
do violento preconceito de raça/etnia escondido nas entranhas da
sociedade.
As balas alojadas
em seus corpos não são meros objetos, revelam a face preconceituosa e racista
de alguns brasileiros em tempos presentes. Dois ataques, um na Rua do
Glicério e outro nas escadarias de uma Igreja, na qual funciona um trabalho de
nome Missão Paz, que atua no acolhimento e orientação de imigrantes na
capital, trouxeram questionamentos sobre tolerância e Direitos Humanos.
A Missão Paz por
anos tem contribuído para o combate ao trabalho análogo ao escravo e tráfico de
pessoas. Covardemente de dentro um carro cinza, indivíduos desprovidos de
sua humanidade, gritaram “Haitianos, vocês roubam os nossos empregos” e
atiraram, segundo relatos de testemunhas.
É mais uma
história, dentre muitas outras, que revela o preconceito de raça/etnia e
recriação de atitudes de xenofobia na contemporaneidade.
Desde o século
XIX, imigrantes foram integrados e rejeitados na cidade de São Paulo.
Carcamanos, galegos, polacos, entre outros, representavam a Europa civilizada
ou o pobre sem sucesso que chegou em terras inóspitas para fazer a América. Encobrir
o estranhamento decorrente do contato de culturas diferentes e as construções
dos preconceitos de lugar, gênero, raça/etnia e classes sociais no Brasil é
desconhecer a própria história.
Tristemente
constatam-se a cada dia mais indivíduos escondidos atrás de seus equipamentos
eletrônicos desvelando atitudes intolerantes contra migrantes e imigrantes.
Acusando-os de adensar a crise econômica e o desemprego, esquecem quantas
levas de brasileiros saíram para a Europa, Estados Unidos da América ou outros
países em busca da realização de seus sonhos e melhores condições de vida e
trabalho. A internet e as redes sociais só desvelam comportamentos estruturados
desde a colonização e o processo civilizatório perverso e excludente imposto
nas terras brasileiras.
Precisa-se
discutir e refletir sobre a necessidade da desconstrução de preconceitos de
qualquer ordem para seguirmos no caminho do respeito a pessoa humana e
construção de mundo melhor e mais justo.
Rosana Schwartz - professora de
sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em História, pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2007). Mestre em Educação,
Artes e História da Cultura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM
(2001). Bacharel em História, pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo- PUC/SP (1989). Graduação em Comunicação Social: habilitação em
Jornalismo, Publicidade e Propaganda, História e Ciências Sociais.
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