Perdão pela expressão forte que usei no título desse texto, mas apelo à licença poética. Usei o termo, pois evoca a definição ideal para várias situações que nos deparamos ao longo de nossas vidas, no campo pessoal e profissional. Ao me deparar com situações desse tipo, penso imediatamente no responsável. Quem foi o autor dessa m*rda? Como isso foi acontecer? Por que não havia um procedimento para isso? A auditoria não viu? Enfim, a cabeça ativa um modelo mental primitivo de punição e não de análise.
Mas será que é assim que devemos
proceder ao dar de cara com uma situação cujo resultado foi diferente do
esperado? Para elucidar o meu ponto de vista, gostaria de compartilhar uma
situação real que me aconteceu no último final de semana. Fique até o fim, pois
a história é boa.
Quem foi que deixou o portão da minha
casa aberto?
Era uma tarde comum de sábado.
Brincadeiras com a filha, conversa e faxina com a esposa, banho e visita aos
sobrinhos. Quem tem filhos sabe que, por brincadeira, entende-se o conjunto
completo de atividades de uma criança de 2,5 anos. Bagunça, birra, enfermidades
constantes do mundo pós pandemia, alimentação, banho, etc. Saímos para visita
aos sobrinhos por volta das 17h30. Retiramos o carro, esperamos o portão fechar
e partimos.
Passamos bons momentos de troca de
presentes e às 18h30 retornamos. Iria direto para a casa de meus pais, mas
passei em casa por ser caminho. Ao me aproximar, avistei o portão da garagem
aberto. Não havíamos trancado a casa e nem ativado o alarme. De imediato, o
susto foi grande: fomos assaltados. Será que tem alguém ainda lá? Chamar a
polícia? Verificar primeiro?
As dúvidas foram interrompidas por um
rompante da minha mãe. Desceu do carro, vaticinou sobre minha total falta de
atenção e culpabilidade daquilo e foi lá. Acompanhei sua ronda corajosa e por
desígnio divino, nada havia sido roubado. Não havia sinais de invasão. Tudo em
perfeito estado mesmo com o portão aberto.
Passado o alívio momentâneo, deixei a
turma na casa de minha mãe e lá retornei. Estava preocupado de alguém ter o
código do portão e tentar abri-lo novamente. No caminho, após passado o susto e
interrompido a rotina mental de busca de culpados, comecei a minha análise.
Apelei ao nosso mestre Ishikawa para estruturar as hipóteses sobre as possíveis
causas para o efeito do portão aberto.
Quais as potenciais causas para a
abertura involuntária do portão?
Modelo mental Lean Seis Sigma
ativado. Vamos definir o problema e mapear o processo. Sob essa perspectiva,
ficaria mais fácil entender o mistério. Para isso, comecei a lembrar de tudo
relacionado ao portão e seus controles naquele dia.
Após almoçar na casa dos meus pais,
voltei à casa junto com minha filha em seu veículo de plástico. Peguei um
controle do portão e fui. O outro ficou com minha esposa, que voltou de carro.
Ao chegar, abri o portão, mas guardei o controle na minha bermuda. Esqueci de
colocá-lo em seu local de permanência habitual.
Depois de brincarmos com nossa filha,
a mesma dormiu. Aos finais de semana, é esse o período que você tem para as
necessidades básicas. Coloquei a roupa no cesto do banheiro e corri para o
banho. Ao final do banho, ela acordou chorando. Foco em acalmá-la. No
período do sono, minha esposa aproveitou o tempo para colocar a roupa para
lavar. Mas como ela ouviu a moça chorando, subiu e não terminou a tradicional
revisão de bolsos e nem ligou a máquina.
Todos tomamos banho e nos aprontamos
para visitar a sobrinhada. Minha esposa foi ajustar a menina no carro e vi que
havia roupa na máquina de lavar, mas essa não estava ligada. Quis ajudar e
pensei: vou ligar e pronto. Fomos embora para a casa do meu irmão.
Revisando essas etapas, consegui
formular uma hipótese: quando a máquina centrifugou a roupa, o controle abriu o
portão. Com isso na cabeça, ao chegar, fui direto para a máquina e lá estava
ele: nosso amigo controle do portão. Vi também, que o mesmo ainda funcionava e
mais, estava em curto pelo banho que tomou. E seus botões sem controle
acendendo e apagando. Nesse momento, o portão começou a abrir e fechar.
Nesse momento, encerrei o Plan Do
Study. Como Act, desmontei o controle e tirei a
pilha. A tal "caca" que havia sido feita não tinha um responsável.
Várias coisas diferentes aconteceram durante o dia e um evento de baixa
probabilidade ocorreu. Não lembro de ter jogado um controle de portão para
lavar e muito menos dele estar funcionando após a lavagem.
Uma série de eventos não programados
ocasionou a abertura do portão. Foram eles:
● Colocar o
controle fora do lugar habitual (ou seja, na bermuda);
● Esquecer de
tirar o controle da bermuda;
● Tomar banho
fora de programação, aproveitando o sono da filha e jogando toda roupa sem
revisão no cesto;
● Antecipar a
coleta da roupa para lavagem para aproveitar a oportunidade gerada pelo sono;
● Ligar a
máquina na pressa, sem revisar se havia algo nos bolsos;
● Ter um
controle remoto que estava com os botões bem usados, que ao serem movimentados
rapidamente, poderiam ter ligado;
● Não ligar o
alarme.
O que fazer quando damos de cara com
a nhaca?
Quis relatar essa história para
defender a importância de seguir um processo planejado à risca. E, quando
queremos menos disciplina e regras para ele, precisamos abusar dos poka yokes
ou sistemas à prova de falha. Contar com dispositivos que impeçam o erro é
fundamental.
Da próxima vez, ao invés de procurarmos os culpados pela m*rda, por que não pensar: o que posso fazer para evitar que isso volte a acontecer? E, ao pensar nos dispositivos à prova de erro, comece pelos mais simples. A simplicidade é a marca registrada dos melhores. De um checklist até um alarme, todo investimento aqui irá evitar muitos problemas.
Seja em casa, no hospital, indústria,
serviços, construção, agro, pecuária, enfim. Ninguém quer sair de casa para
fazer as nhacas. Se elas acontecem, precisamos pensar em como impedi-las.
Virgilio Marques dos Santos - um dos fundadores da FM2S,
doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black
Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green
Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como
de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de
processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do
Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário