domingo, 30 de outubro de 2022

Deu ruim. Qual sua reação quando isso acontece?

Perdão pela expressão forte que usei no título desse texto, mas apelo à licença poética. Usei o termo, pois evoca a definição ideal para várias situações que nos deparamos ao longo de nossas vidas, no campo pessoal e profissional. Ao me deparar com situações desse tipo, penso imediatamente no responsável. Quem foi o autor dessa m*rda? Como isso foi acontecer? Por que não havia um procedimento para isso? A auditoria não viu? Enfim, a cabeça ativa um modelo mental primitivo de punição e não de análise.

 

Mas será que é assim que devemos proceder ao dar de cara com uma situação cujo resultado foi diferente do esperado? Para elucidar o meu ponto de vista, gostaria de compartilhar uma situação real que me aconteceu no último final de semana. Fique até o fim, pois a história é boa.


 

Quem foi que deixou o portão da minha casa aberto?


Era uma tarde comum de sábado. Brincadeiras com a filha, conversa e faxina com a esposa, banho e visita aos sobrinhos. Quem tem filhos sabe que, por brincadeira, entende-se o conjunto completo de atividades de uma criança de 2,5 anos. Bagunça, birra, enfermidades constantes do mundo pós pandemia, alimentação, banho, etc. Saímos para visita aos sobrinhos por volta das 17h30. Retiramos o carro, esperamos o portão fechar e partimos.

 

Passamos bons momentos de troca de presentes e às 18h30 retornamos. Iria direto para a casa de meus pais, mas passei em casa por ser caminho. Ao me aproximar, avistei o portão da garagem aberto. Não havíamos trancado a casa e nem ativado o alarme. De imediato, o susto foi grande: fomos assaltados. Será que tem alguém ainda lá? Chamar a polícia? Verificar primeiro?

 

As dúvidas foram interrompidas por um rompante da minha mãe. Desceu do carro, vaticinou sobre minha total falta de atenção e culpabilidade daquilo e foi lá. Acompanhei sua ronda corajosa e por desígnio divino, nada havia sido roubado. Não havia sinais de invasão. Tudo em perfeito estado mesmo com o portão aberto.

Passado o alívio momentâneo, deixei a turma na casa de minha mãe e lá retornei. Estava preocupado de alguém ter o código do portão e tentar abri-lo novamente. No caminho, após passado o susto e interrompido a rotina mental de busca de culpados, comecei a minha análise. Apelei ao nosso mestre Ishikawa para estruturar as hipóteses sobre as possíveis causas para o efeito do portão aberto.


 

Quais as potenciais causas para a abertura involuntária do portão?


Modelo mental Lean Seis Sigma ativado. Vamos definir o problema e mapear o processo. Sob essa perspectiva, ficaria mais fácil entender o mistério. Para isso, comecei a lembrar de tudo relacionado ao portão e seus controles naquele dia.

 

Após almoçar na casa dos meus pais, voltei à casa junto com minha filha em seu veículo de plástico. Peguei um controle do portão e fui. O outro ficou com minha esposa, que voltou de carro. Ao chegar, abri o portão, mas guardei o controle na minha bermuda. Esqueci de colocá-lo em seu local de permanência habitual.

 

Depois de brincarmos com nossa filha, a mesma dormiu. Aos finais de semana, é esse o período que você tem para as necessidades básicas. Coloquei a roupa no cesto do banheiro e corri para o banho. Ao final do banho, ela acordou chorando. Foco em acalmá-la. No período do sono, minha esposa aproveitou o tempo para colocar a roupa para lavar. Mas como ela ouviu a moça chorando, subiu e não terminou a tradicional revisão de bolsos e nem ligou a máquina.

 

Todos tomamos banho e nos aprontamos para visitar a sobrinhada. Minha esposa foi ajustar a menina no carro e vi que havia roupa na máquina de lavar, mas essa não estava ligada. Quis ajudar e pensei: vou ligar e pronto. Fomos embora para a casa do meu irmão.

 

Revisando essas etapas, consegui formular uma hipótese: quando a máquina centrifugou a roupa, o controle abriu o portão. Com isso na cabeça, ao chegar, fui direto para a máquina e lá estava ele: nosso amigo controle do portão. Vi também, que o mesmo ainda funcionava e mais, estava em curto pelo banho que tomou. E seus botões sem controle acendendo e apagando. Nesse momento, o portão começou a abrir e fechar.

 

Nesse momento, encerrei o Plan Do Study. Como Act, desmontei o controle e tirei a pilha. A tal "caca" que havia sido feita não tinha um responsável. Várias coisas diferentes aconteceram durante o dia e um evento de baixa probabilidade ocorreu. Não lembro de ter jogado um controle de portão para lavar e muito menos dele estar funcionando após a lavagem.

 

Uma série de eventos não programados ocasionou a abertura do portão. Foram eles:

 

●    Colocar o controle fora do lugar habitual (ou seja, na bermuda);

●    Esquecer de tirar o controle da bermuda;

●    Tomar banho fora de programação, aproveitando o sono da filha e jogando toda roupa sem revisão no cesto;

●    Antecipar a coleta da roupa para lavagem para aproveitar a oportunidade gerada pelo sono;

●    Ligar a máquina na pressa, sem revisar se havia algo nos bolsos;

●    Ter um controle remoto que estava com os botões bem usados, que ao serem movimentados rapidamente, poderiam ter ligado;

●    Não ligar o alarme.

 


O que fazer quando damos de cara com a nhaca?


Quis relatar essa história para defender a importância de seguir um processo planejado à risca. E, quando queremos menos disciplina e regras para ele, precisamos abusar dos poka yokes ou sistemas à prova de falha. Contar com dispositivos que impeçam o erro é fundamental.

 

Da próxima vez, ao invés de procurarmos os culpados pela m*rda, por que não pensar: o que posso fazer para evitar que isso volte a acontecer? E, ao pensar nos dispositivos à prova de erro, comece pelos mais simples. A simplicidade é a marca registrada dos melhores. De um checklist até um alarme, todo investimento aqui irá evitar muitos problemas. 

Seja em casa, no hospital, indústria, serviços, construção, agro, pecuária, enfim. Ninguém quer sair de casa para fazer as nhacas. Se elas acontecem, precisamos pensar em como impedi-las.


Virgilio Marques dos Santos - um dos fundadores da FM2S, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.


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