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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Câncer não é metáfora para raiva ou mágoa


Uma grande sensação de culpa. Quando uma mulher tem a vida transformada, de repente, pelo diagnóstico de câncer, incluindo o de mama, o segundo tipo que mais acomete o público feminino depois do câncer de pele não melanoma, é esse sentimento que normalmente passa a tomar conta, tornando-se muitas vezes algo maior do que ela mesma. Uma culpa difícil de afastar, já que é alimentada pela profunda mudança psicológica que esse mal incute dentro dela e pela interferência -- bem ou mal intencionada -- das pessoas com as quais convive.

Mas todo esse sentimento de culpa, na verdade, não tem razão de ser. Extremamente nefasto, ele se instala porque, na sociedade, o câncer não é encarado como aquilo que verdadeiramente é: uma doença também da natureza humana e que, por isso, não há culpados. Ponto e basta! Nós, no entanto, insistimos em ‘metaforizar’, caracterizando-o como uma figura de linguagem associada -- ou melhor dizendo, oriunda -- da mágoa, da raiva ou do conjunto dos conflitos internos que acumulamos durante a vida. A ciência já nos tem provado que não é assim, bem como a literatura, quando Susan Sontag, filósofa americana, escreveu ensaios sobre a enfermidade como metáfora. Ela realizou uma investigação dos significados políticos e morais atribuídos a patologias como o câncer, procurando despi-lo do potencial simbólico de discriminação de seus portadores.

 

Um dos mais prestigiados estudiosos do assunto no Brasil, o médico mastologista do Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP) e especialista em Biologia Molecular do Câncer de Mama, Rodrigo Gonçalves, defende que a doença tem um fator genético, sendo decorrente das inúmeras mutações a que nossas células estão sujeitas ao longo da vida. Para ajudar a explicar isso de forma didática às mulheres, ele participa do projeto Cine-Debate, que trata do tema pegando carona no argumento do filme ‘Unidas pela Vida’, produção de 2013 e dirigida por Steven Bernstein. 

O filme mostra a história real da cientista americana Drª Mary-Claire King, que dedica boa parte de sua vida a estudar um gene humano para tentar decodificá-lo e, assim, encontrar a causa do câncer de mama hereditário, pois está convencida de que há uma ligação entre o DNA e a doença. Depois de 20 anos de estudo, ela consegue descobrir uma mutação genética que expõe as mulheres a um risco altíssimo (85%) de desenvolver câncer de mama e ovário. Quem testa a teoria da Drª King é Annie Parker, que depois de perder a avó, a mãe, a tia e a irmã para o câncer, luta ela mesma contra a enfermidade. Detalhe: Annie recuperou-se completamente de três cânceres, sendo o primeiro de mama! 

Tendo em vista os prognósticos que indicam que, a cada ano, mais de 60 mil mulheres no Brasil são acometidas pelo câncer de mama, a proposta do projeto Cine-Debate ganha destaque ao dar a oportunidade a um grande público de abstrair-se do enredo do filme, discutir e desmistificar a doença com a ajuda de um especialista. 

Estamos no Outubro Rosa e, mais uma vez, há o gancho para falarmos da importância da prevenção -- que se faz de forma simples e rápida, pelo SUS, com o exame de mamografia a cada dois anos, indicado para as mulheres acima dos 50 anos. Mas é preciso aproveitar a data para enfatizar outro ponto -- o que trata do psicológico, tão importante quanto o da prevenção. Por isso é preciso dizer: mulheres, vocês não têm culpa! O câncer de mama não é uma metáfora, não vem da mágoa, da raiva, da angústia, da depressão... Ele é uma doença genética cuja causa é uma falha na biologia do corpo humano. Por isso, não há culpados.


Cris Monteiro - vereadora pelo NOVO em São Paulo 

Andrea Zanin - formada em Administração de Empresas, pós-graduada pela Fundação Getúlio Vargas-SP e idealizadora do projeto Cine-Debate.


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