Calúnia, difamação, injúria, denunciação
caluniosa e racismo são crimes e precisam ser denunciados e combatidosCrédito: Envato
O
acesso à internet abriu um mundo de oportunidades para a comunicação. Da mesma
forma que todo cidadão tem direito à liberdade de expressão, todos também têm
responsabilidade pelo que é dito. Nos últimos tempos, discursos de ódio e
preconceito, como xenofobia, homofobia e racismo, têm sido cada vez mais comuns
no ambiente on-line. “A liberdade de expressão, como qualquer forma de
liberdade, possui limites. Todos(as) temos o direito de ir e vir, mas isso não
nos dá permissão de entrar na casa de alguém sem autorização, pois a violação de
domicílio é crime”, afirma Ledo Paulo Guimarães Santos, advogado criminalista,
doutor em Direito Criminal e professor
de Direito Penal da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade
Positivo (PR).
Com
a liberdade de expressão também é assim. “Posso manifestar minha opinião, mas
não posso usar dessa liberdade para ofender a honra de alguém ou propagar
discurso de ódio, por exemplo.” Ou seja, de acordo com Guimarães, a liberdade
de expressão em si jamais será considerada um crime; a transgressão é o abuso
desse direito. “Quando se ofende a honra de alguém, quando se atenta contra o
processo eleitoral ou contra a administração da Justiça, há algumas condutas
que podem configurar crime”, alerta. “Além disso, também pode haver
responsabilização pelos danos causados na esfera cível”, considera.
Os
crimes mais comuns cometidos pelas redes sociais são:
- Injúria (art. 140 do Código Penal) - normalmente se expressa
por xingamentos e ofensas diretas em relação a uma pessoa. Pode-se aplicar
uma pena de detenção de 1 a 6 meses ou multa.
- Difamação (art. 139 do Código Penal) - ocorre quando a
ofensa for um fato lesivo à reputação de uma pessoa ou marca, como muitas
vezes é o caso de uma fofoca. A pena pode ir de 3 meses a 1 ano de
detenção e multa.
- Calúnia (art.138 do Código Penal) - acusar falsamente de um
crime pode levar a uma pena de 6 meses a 2 anos de detenção e multa. Se
essa falsa acusação se transformar em inquérito ou processo contra a
vítima, pode ocorrer o crime de denunciação caluniosa (art. 339 do Código
Penal - pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa).
- Injúria
preconceituosa (art. 138, §
3º, do Código Penal) - se a injúria tiver elementos de raça, cor, etnia,
religião, origem ou condição de pessoa idosa ou com deficiência, configura
um crime ainda mais grave, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e
multa.
- Racismo (art. 20 da Lei 7.716/1989) - "praticar, induzir
ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional" é crime que pode levar à reclusão de 1 a 3 anos
e multa.
Várias
dessas condutas são comuns nas redes sociais, e isso pode modificar bastante as
penas. “Por exemplo, os crimes contra a honra do Código Penal podem ter a pena
triplicada se cometidos ou divulgados pelas redes sociais (art. 141, § 2º, do
Código Penal). Nos demais casos, também se aplica uma pena maior se o crime for
cometido pelas redes sociais”, explica Santos. A inclusão no Código Penal
aconteceu em dezembro de 2019.
Legislação eleitoral
Segundo
o professor, a legislação eleitoral também prevê os mesmos crimes, exceto a
injúria preconceituosa, se essas ofensas ocorrerem em propaganda eleitoral ou
com essa finalidade. “A legislação eleitoral também criminaliza as condutas de
‘divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral,
fatos inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer
influência perante o eleitorado’, segundo o artigo 323 do Código Eleitoral -
podendo se aplicar uma pena de detenção de 2 meses a 1 ano ou multa”, explica.
“Essas mesmas penas cabem também para quem ‘produz, oferece ou vende vídeo com
conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos’”.
As ofensas contra a honra são mais comuns do que se imagina
Basta
uma rápida olhada nas redes sociais para ver o quanto as ofensas contra a honra
são comuns. Isso pode ter repercussão tanto como um processo criminal ou cível.
“Independentemente do desfecho do processo, isso representa um dissabor, e
muitas vezes algum prejuízo financeiro. Além disso, não se pode ignorar o
quanto certas manifestações causam mal para a sociedade como um todo, e
principalmente ao alvo das ofensas”, afirma o professor. “Veja-se o
quanto se vê e viu de ofensas a nordestinos quando a votação diverge do Sul e
Sudeste. Aconteceu nessas eleições, aconteceu nas eleições passadas. Ocorreram
várias ofensas que caracterizam xenofobia e até crime de racismo, como alguns
fizeram ao sugerir não empregar pessoas nordestinas. Além de ser contra a lei,
é um absurdo dizer algo assim”, lamenta Santos.
Mas
considerando a proporção em que esses crimes acontecem, infelizmente essas
condutas normalmente ficam impunes, afirma o professor. “Não temos uma
estimativa segura de quantos crimes ocorrem e qual percentual acaba sendo
punido. Quando há repercussão, por exemplo, o Poder Judiciário eventualmente
tende a ser mais repressivo. Porém, uma coisa se tornou mais fácil: provar a
ofensa ou o abuso de liberdade de expressão. Como muitas dessas condutas
ocorrem em redes sociais ou por aplicativos de mensagens, elas acabam ficando
registradas”, argumenta. “Com a prova da ofensa ou do abuso na liberdade de
expressão, a acusação se torna potencialmente mais eficaz. Só é importante
ressaltar que nem sempre basta fazer um Boletim de Ocorrência. Nos crimes
contra a honra do Código Penal, por exemplo, ao menos em regra, a vítima
precisa de um(a) advogado(a) para levar o processo adiante”, avalia.
Cuidado com grupos de WhatsApp
O
advogado alerta sobre o uso do WhatsApp. “Se você faz parte de um grupo de
WhatsApp em que acontece algum dos crimes acima, que induza ou incite racismo,
por exemplo, mesmo que não concorde ou não tenha se manifestado, você pode ser
processado. A rigor, uma pessoa só pode responder pelas suas condutas, mas
poderá ter muitos incômodos para juntar provas, contratar advogado(a) de
defesa, comparecer em audiências, até tudo ser esclarecido.”
Em casos de ofensa, a quem recorrer
A
primeira providência é reunir provas, como testemunhas. Se o fato ocorrer em
rede social ou em aplicativo de mensagem, salvar a imagem (fazer um
"print") ou imprimir pode ser suficiente, mas há casos em que o autor
do fato pode apagar a postagem ou mensagem. “Nestas situações, uma alternativa
pode ser fazer uma ata notarial em cartórios extrajudiciais. Esse documento é
público e comprova que determinado texto, imagem, áudio ou vídeo constava em
determinado lugar na data documentada”, explica. Mas a quem recorrer, depende
de cada caso. “Se for uma ofensa em geral, o ideal é procurar um(a)
advogado(a). Mas em alguns crimes, como injúria preconceituosa e racismo, a
ação penal é proposta pelo Ministério Público. Nestes casos, o Boletim de
Ocorrência numa Delegacia de Polícia já dá início a esse processo”, explica.
É
importante notar que, na injúria preconceituosa, a vítima precisa fazer uma
representação no prazo de seis meses contados da data da ofensa. “Isso equivale
a uma autorização para que o processo criminal seja levado adiante”, informa.
Embora ainda não haja uma maneira totalmente segura e eficaz para se auto
prevenir de ataques nas redes sociais, em geral, elas possuem ferramentas que
restringem comentários ou compartilhamento. Mas isso não impede que pessoas
dentro da rede de contatos possam praticar algum ilícito. “Quando há
insistência na conduta, tomar providências judiciais pode eventualmente inibir
a ação. Em alguns casos, notificar o autor do fato, por meio de advogado(a),
pode servir como freio”, completa o professor.
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