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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

NÃO TE DEMORES, ESTOU CANSADA




– Vontade de atender minha vontade.

– Vontade!?

– Então... Tenho tentado. Aguardava que se fossem teus compromissos. Anda, diz para eu ir.

– Humm... Vamos ter que combinar... Não posso; há tanto por fazer.

– Estou com o gosto do que poderia ser. Eu sei...

– Ah! E como podes saber? Eu não sou tua invenção.

– A praia... Ficaríamos na praia. Gostas tanto, tu me contaste...

– A praia... Gostoso, se eu estivesse descompromissada.

– De verdade: algum esforço, poderíamos tentar.

– Podemos, podemos, sim.

– Ah, sim? Rsrs... Sabemos que sim. Mas... Nunca te fazes vir.

– Não me faço ir? Rsrs. Não pude... Não posso.

– Demolidora de sonhos... Mulher má... Acreditei que virias.

– Eu te disse: os compromissos são tantos. Já não cuido mais de mim.

– Compreendo... Eu sei... lamento. Bem, entendo.

– Amanhã, vê só, já cedo, muitas coisas... Coisas a fazer.

– Mas, então... Descansa. É tarde, vai dormir.

– Tão cansada, não consigo ir.

– Olha, tudo isso... E se a tua imaginação fugir?

– Imaginação!? Fugir? Contigo?

– Rsrs, eu teria ido pelo gosto, só... Iria para te conhecer. Iria, nem sei bem para quê.

– Terias vindo? Que bom! Mas não adiantaria? É isso que queres dizer? Seria porque eu não poderia? É isso? Não entendi.

– Rsrs. Não, não é isso. Eu não sei o porquê... Sinto atração... Não sei bem o que me atrai. Mas é tanto, eu quero tanto: iria sentir, conversar, tocar. Iria te ver, te perceber... Realizar a minha imaginação; talvez a tua.

– Rsrs, não te apaixones pela tua imaginação.

– O que será que me fez tomar gosto por ti? Eu te imagino com o que me dás a te imaginar.

– A imaginação... Eu me te dou a imaginar? Não... Não me imagines. Decifra-me. Só então me saberás.

– Não, não te quero saber agora. Meu desejo, minha imaginação. Se eu te tocar, se eu te cheirar, eu saberei. E aí, então, eu quererei ainda mais de quem eu gostei. Mais desejo, mais imaginação, não é?

– Pelos sentidos me desvelas, Assim? Não creio... Não se cumpre... Somos enigmáticos.

– Enigmas? Não tanto quanto dizemos ser... Nós nos sonegamos, talvez. Mas meus sentidos te perscrutariam. Tudo. E nossa conversa... Ela passearia por tanta coisa em nós. Nós nos contaríamos.

– Nos contarmos? Nossas máscaras... Nossos véus, nós os usamos... Mas... 

Talvez... Talvez sejamos mesmo desvendáveis. Não, não somos... Só até certo ponto. Por medo, por suspeita, uma reserva. Não nos entregamos.

– A descoberta, a fascinação da descoberta. Um pouco tu te contarias, um pouco eu te compreenderia. Também me saberias.

– E nós nos queremos saber?

– Um pouco, sim. Um tanto fingiríamos entender, um tanto entenderíamos. Outro tanto negaríamos ter entendido; há coisas que não queremos entender. Melhor não saber... Mas, nos gostaríamos.

– Ai, tu és instigante! Concordo contigo! Intimidade... Passeamos um pelo outro; não nos invadimos.

– Deverias ter vindo; deverias ter convidado; deverias ter nos conduzido a um encontro. Mas não te responsabilizo... Mea culpa... Tentei de menos, merecias mais. Eu deveria ter insistido... Talvez te alcançasse.

– Não, não, não. Não digas isto! Eu não teria podido, tu verias. Não há dia sem compromisso. Tirei férias, mas para resolver coisas, tantas coisas... Perdida em ocupações...

– Ah, rsrs, Olha, eu ajudaria... Te massagearia quando chegasses cansada, te deixaria dormir, te olharia... E de mansinho me viria embora... Eu só seria prazer... Eu seria cuidado, rsrs.

– Não rias assim... Se soubesses da minha correria, me darias colo! Rsrs.

– Massagem, colo... Carinho... Aconchegada, dormirias no meu colo.

– Ai, que encanto... Quero massagem, quero colo.

– Com vagar eu te tocaria... O teu prazer... Gozarias assim, meio com sono, meio sonhando... Cansada. E te confortarias... Eu te cuidaria até acordares. Então, eu viria embora.

– Um homem... Só para meu prazer... Eu me deixaria abrandar. Largar os pensamentos... Cansada... Carinho, colo, prazer.

– Uma mulher, às vezes ela se dá. Ela, tão só, se dá... Tem prazer no se entregar... Aprendi isso com as mulheres: dou-me a servir, a servir uma mulher. Nisso sou feminino: há prazer no dar-se a dar prazer.

– Dar-se a dar prazer... Espero, sinto, sei que és assim.

– Desejas? Dormir tocada, gozada, molhada, no afago do colo? Dormir lambuzada, sem nem te mexeres dali?

– Ai, eu quero... Um homem... Esse homem com quem eu tenha a mais entregada intimidade.

– Palavras, maneiras: achego que acumplicia. Pecado... Te culparias por te teres deixado tomar pelas carícias do estranho. Mas sentirias falta de mim, do meu colo, dos meus dizeres, das minhas mãos.

– Estranho? Estranho é condição humana. Culpa? Não... Ser saciada. Falta... Acredito que sim... Um poeta, um homem... Quero... Preciso... Devo dormir... Anda, não te demores... Estou cansada.




Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicólogo e Jornalista

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