De
uns tempos para cá, em meio ao lamaçal de corrupção e à bandalheira com dinheiro
público que temos visto, muito se tem falado a respeito do chamado “Caixa 2”.
Invariavelmente, tal termo tem sido associado à classe política e aos partidos
em geral, como se fosse uma prática quase exclusiva do meio político.
Ledo engano!
O “Caixa 2” não é um fenômeno restrito ao meio político. Trata-se,
em realidade, de um comportamento muito comum que, há décadas, vem sendo
adotado nos meios empresariais e financeiros, cuja principal razão de ser está,
justamente, na deliberada intenção de suprimir o pagamento de tributos e, ao
depois, na maioria das vezes, lavar dinheiro.
A bem da verdade, o “Caixa 2” pode ser compreendido como a
aquisição de recursos financeiros “por fora”. Isto é, sem a devida
contabilização nos livros próprios e/ou sem a efetiva declaração dos mesmos aos
órgãos de fiscalização competentes.
Em suma, todo e qualquer valor que o cidadão/empresa recebe “por
fora”, com a manifesta intenção de ocultá-lo das instituições de fiscalização e
controle, pode ser compreendido na ideia do “Caixa 2”.
O termo “Caixa 2” decorre do fato de serem aqueles recursos
amealhados e utilizados de forma “paralela” à contabilidade oficial (ou seja, o
“Caixa 1”), os quais são deliberadamente escondidos ou maquiados na
contabilidade.
Dentro desse contexto, a conduta daquele que assim atua é, por
óbvio, criminosa, já que lesa o erário público e fere a concorrência de
mercado. Na nossa legislação penal, o “Caixa 2” é tratado, basicamente, de três
formas distintas, quais sejam:
a)
como
sonegação fiscal, expressamente previsto no artigo 1º, da Lei 8137/90 – pena:
02 a 05 anos de reclusão, e multa;
b)
como
crime financeiro, disposto no artigo 11, da Lei 7492/86 (nesse caso, por ser
crime próprio, é correto afirmar que apenas determinadas pessoas, devidamente
nomeadas no artigo 25, daquela lei, é que podem praticar o delito) – pena:
reclusão de 01 a 05 anos, e multa;
c)
como
crime eleitoral, tipificado no artigo 350, do Código Eleitoral (equiparado à
falsidade ideológica) – pena: reclusão até 05 anos, e multa.
Vale notar, portanto, que é errada a ideia de restringir a
discussão em torno do “Caixa 2” apenas ao meio político, assim como também é
equivocado acreditar que apenas os políticos podem ser responsabilizados
criminalmente pelo “Caixa 2”.
A contabilidade paralela é um crime “democrático”, ou seja,
sobretudo no âmbito da lei que trata dos crimes tributários, qualquer cidadão
pode cometê-lo.
É relevante dizer que os recursos utilizados para formatar o
“Caixa 2” não precisam ser ilícitos. Afinal, nada impede que um empresário, um
administrador de uma instituição financeira ou um político, candidato a algum
cargo eletivo, recebam valores lícitos, devidamente pagos/doados com lastro em
algum serviço prestado ou, então, corretamente declarados.
O ilícito, é bom dizer, não se inicia com o mero recebimento dos
recursos financeiros – que até podem ter origem lícita –, mas sim com a conduta
posterior daquele que os recebeu, que passa a atuar com a deliberada ideia de
formar um “caixa paralelo”, para ocultar aqueles recebíveis e, assim,
subtrair-se à atuação dos órgãos próprios de fiscalização e controle.
Ou seja, para a ideia correta do “Caixa 2”, não é o recurso que
precisa ser ilícito, mas sim a posterior destinação paralela, sem qualquer
contabilização, que se lhe destina o agente.
De toda maneira, independentemente das formas existentes de “Caixa
2”, fato é que todas elas têm algo em comum, qual seja, o uso posterior
daqueles recursos financeiros “paralelos” desaguará, sempre, no delito de
lavagem de dinheiro, atualmente previsto na Lei 9613/98, com sua redação
alterada pela Lei 12.683/12.
Com efeito, o crime de lavagem de dinheiro pode ser muito bem
compreendido como uma consequência natural, e lógica, do “Caixa 2”. Afinal,
tomando por base a ideia de que a lavagem de capitais nada mais é do que a
transformação do dinheiro “sujo” em recursos aparentemente “limpos”, é inegável
reconhecer que o uso posterior daquele dinheiro amealhado de forma paralela
(portanto, ilícito) é, sem dúvida, uma manobra de lavagem.
Ora, um candidato que usa os recursos do “Caixa 2” para adquirir
joias ou moeda estrangeira, bem como o empresário que faz uso daqueles valores
sonegados junto ao Fisco, para adquirir imóveis ou títulos de clube, estão,
necessariamente, convertendo ativos ilícitos em “lícitos”, e, com isso,
praticando atividade típica de “lavagem de dinheiro”.
É claro que, atualmente, em razão do aprimoramento dos sistemas de
controle e fiscalização, as práticas de lavagem de dinheiro também vêm se
modernizando. Daí, pois, como forma de ocultar patrimônio ou dificultar as
investigações, ser muito comum ouvirmos falar em uso de “laranjas” para
adquirir bens (móveis ou imóveis), empresas “frias” sediadas em paraísos
fiscais, etc.
Importante mencionar que, recentemente, o STF conferiu um novo
entendimento ao cálculo do prazo prescricional do crime de lavagem de dinheiro.
De efeito, a partir do julgamento da AP 863 (ainda pendente de recurso),
passou-se a adotar o entendimento de que o delito de lavagem de dinheiro possui
um viés de crime permanente, ou seja, enquanto o agente estiver praticando atos
de ocultação dos bens/valores provenientes do ilícito, o prazo prescricional
não se inicia.
Assim, de acordo com a nova orientação do STF, o prazo
prescricional do crime de lavagem de dinheiro só se iniciará quando cessada a
permanência, vale dizer, quando as autoridades tiverem conhecimento do ilícito.
Seguramente, caso essa nova linha de pensamento venha a ser confirmada, a
ocorrência da prescrição nesses casos será muito mais difícil, senão quase
impossível.
Enfim, o que se quer deixar claro é, de um lado, que o crime de
“Caixa 2” já existe em nosso ordenamento jurídico pátrio e não pode ser
aprisionado à classe política. Já sob um outro enfoque, é relevante dizer que o
crime de “caixa 2” não só provoca muitos malefícios ao sistema
econômico/tributário nacional, como também é um relevante fator criminógeno, vez
que, invariavelmente, pode ser associado aos delitos de lavagem de dinheiro,
corrupção, organização criminosa e muitos outros.
Sendo assim, dada a gravidade do “caixa 2”, é forçoso reconhecer
que, qualquer manobra legislativa que tenha por escopo “abrandá-lo” ou
“anistiá-lo” deve ser imediatamente rechaçada e combatida.
Euro Bento Maciel Filho - advogado,
professor, mestre em Direito Penal pela PUC-SP e sócio do escritório Euro Filho
Advogados Associados
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