Especialista explica qual a relação entre as duas doenças e o que fazer para se prevenir
Com o
avanço da pandemia, cerca de um ano e meio após o surgimento dos
primeiros casos, já é de amplo conhecimento que o SARS-CoV-2 é
causador de problemas agudos no sistema respiratório. No entanto, o
que pouco se discute é o grande número de casos envolvendo coágulos
de sangue em pacientes infectados pela COVID-19. Estima-se que de 5%
a 10% dos pacientes internados em enfermaria tenham apresentado algum
evento trombótico durante o tratamento de coronavírus, podendo chegar a 30%
para pacientes internados em UTI – taxas muito altas se
comparadas ao período pré-pandemia. A trombose
é uma obstrução causada por coágulos de sangue em veias e
artérias, podendo resultar em quadros graves, como Acidente Vascular
Cerebral (AVC), Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e embolia
pulmonar - podendo levar, em casos extremos, à parada
cardíaca.
A
infecção causada pela COVID-19 não afeta somente os pulmões, mas
também pode lesar a camada interna da parede dos vasos
sanguíneos. “Essa camada, chamada de
endotélio, é parte responsável por não permitir que o
sangue coagule, então se o vírus danifica essa camada, a deixa mais
propensa à formação de trombo”, explica Dr. Marcelo Melzer Teruchkin,
cirurgião vascular do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e membro
da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) e da
Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH). “A trombose
é causada pelo que chamamos de Tríade de Virchow,
que envolve a estase, a hipercoagulabilidade e o dano vascular. O
vírus gera lesão no vaso e ativa a cascata
inflamatória, que são questões relacionadas à coagulação.
Isso acaba levando algumas pessoa a ficarem prostradas
e acamadas, como é o caso de pacientes com
necessidade de suplementação de oxigênio, com pouca mobilidade e gerando a
estase”.
A trombose
pode atingir qualquer paciente diagnosticado com COVID-19,
inclusive casos leves, domiciliares e que não apresentaram síndrome
respiratória. “Logo nos primeiros casos, na China, os médicos perceberam a
elevação de um elemento identificado no
sangue, que está relacionado à trombose: o D-dímero”, comenta
o cirurgião. Quando temos um trombo, nosso
organismo tenta desfazê-lo
e, nesse processo, libera substâncias no sangue que acabam
funcionando como marcadores. Um desses marcadores é o D-dímero. “No
início da pandemia, logo
que os colegas identificavam essa elevação do
D-dímero, solicitavam a avaliação vascular.
Parecia certo exagero, pois muitos pacientes não apresentavam nenhuma
manifestação clínica de trombose, mas quando fazíamos avaliação com
ultrassom (ecodoppler) em muitos desses casos achávamos um
trombo. Assim, percebemos que não se tratava
de uma situação comum”.
A relação
entre a COVID-19 e a presença de tromboses gerou, no
meio médico, discussões, não somente acerca das
consequências da infecção, mas também sobre qual seria o tratamento mais
adequado, já que o paciente infectado além
de apresentar risco aumentado de trombose, também tem
risco de sangramento. “Até o momento,
um paciente com diagnóstico de infecção pelo coronavírus que necessita internação e
não tem diagnóstico de trombose vai receber uma dose menor de
anticoagulante, preventiva, chamada de dose profilática. Agora se ele tem
diagnóstico confirmado de trombose durante o tratamento, vai
receber a dose de anticoagulante terapêutica, que é aproximadamente o
dobro da dose de prevenção”, afirma Teruchkin, que completa que, a cada
mês, novos estudos são lançados e novos paradigmas quebrados.
As vacinas
causam trombose?
Logo que as
vacinas começaram a ser utilizadas em escala populacional, na Europa e
na América do Norte, no início de 2021, foram
relatados alguns casos de tromboses graves em vasos
cerebrais e viscerais, associados à redução do nível de plaquetas, após
a vacinação com os imunizantes AstraZeneca e Janssen, o que gerou muita
polêmica acerca da sua segurança.
No
entanto, Dr. Marcelo explica que esses são
casos bastante raros. No início dos relatos, a trombose induzida por
vacina era tratada com heparina, uma medicação anticoagulante de uso
consagrado, mas que, especialmente nesses casos, resultava em uma
reação imunológica que piorava o quadro do paciente. “Hoje, passados
alguns meses, já sabemos qual a melhor forma
de tratar essa trombose atípica relacionada à vacina. Se usa
a imunoglobulina, uma substância para diminuir a resposta
imunológica, e anticoagulantes não relacionados à heparina”, completa.
Contudo, ele
ressalta: “O risco de ocorrer uma trombose grave por COVID é muito
maior que o risco de uma trombose rara pela vacina. A vacina, salvo raras
exceções, sempre vai ser benéfica. É a melhor solução para
a retomada de uma vida normal!”.
Prevenção
Apesar do
cenário, existem pequenas e simples ações que podem contribuir para que o
paciente se previna de desenvolver uma trombose em meio a um caso de
coronavírus. Pacientes em síndrome gripal (casos leves) devem se manter bem
hidratados e, mesmo em isolamento, buscar se movimentar e evitar
a restrição ao leito. Aqueles que já passaram para síndrome
inflamatória com baixa oxigenação (casos mais graves), devem
agir somente sob recomendação médica, com
medicação profilática para trombose. “O paciente deve evitar, a
todo custo, a automedicação, porque, caso ele tenha algum risco aumentado
de sangramento, o uso de anticoagulantes por conta própria pode ser
extremamente arriscado”, explica o médico.
Os sintomas
da trombose podem variar de acordo com o local atingido. Trombose
nas veias das pernas podem ocasionar inchaço, dor e mudança de
coloração. Para as artérias dos membros inferiores, dor, ausência de
pulso, palidez, resfriamento e formigamento do membro. Trombos no
sistema pulmonar causarão falta de ar, dor torácica e tosse. Na circulação dos
rins, o paciente pode sofrer de insuficiência renal. Além disso, coração e
cérebro podem ser atingidos. “O trombo pode se
formar em vaso único, como em vários sítios. É muito
relativo e tem correlação com a gravidade da doença”, relata o
especialista.
À medida
que o processo infeccioso e inflamatório vai se resolvendo, o risco de
trombose vai, progressivamente, diminuindo – um processo que pode
durar alguns meses até se normalizar. “É vital que todo o paciente
que se recupera da COVID marque um checkup clínico. Pelo menos cardiológico,
pulmonar e vascular. Ele vai ter orientações para que os seus riscos de complicações sejam amplamente
reduzidos”, finaliza.
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