Opinião
Assim como Robert Johnson, vivemos em uma
encruzilhada: nunca tantos declararam publicamente o propósito de serem felizes
e, com isso, afastar as dores da vida; ao mesmo tempo, esses mesmos tantos
desejam, junto com a felicidade, serem bem sucedidos e, para alcançar esse
sucesso, reconhecem a necessidade de superar todos os obstáculos, custe o
que custar, incluindo muita dor. “Só desistir é que é para sempre”, repetem o
mantra daqueles que afirmam ter obtido o tão citado sucesso. A conclusão desse
silogismo é: se você for bem sucedido, será feliz. Mas haverá a dor.
Toda uma cadeia de cursos e livros conhecidos como
“auto-ajuda” surgiram na esteira desse paradoxo. A Felicidade virou o santo
Graal, o novo Shangrilá, a Terra Prometida. Ao mesmo tempo, longe dos
enjoativos 40 anos no deserto, a Nova Felicidade ocorre em meio a muito entretenimento,
sem muito peso, sem muita demora, sem muita profundidade. Sucesso fast food,
gamificado, como os cursos que afirmam transformá-lo em psicanalista ou
professor ou proficiente em qualquer língua em quatro meses. É só ter vontade!
A Filosofia, desde que surgiu buscando encontrar
alguma ordem (cosmos) racional nas coisas que nos rodeiam e nas coisas que
rodeiam dentro de nós, igualmente deparou-se com a questão do Fim - como o
destino natural de nossas ações equilibradas - e da Felicidade - como
objetivo desejado para nossas vidas. Aristóteles fundiu uma ideia na outra e
chamou o Fim de Felicidade. Daí a sociedade moderna traduziu o Sucesso como Fim
e definiu como Felicidade a aquisição e o consumo e, ainda mais recentemente,
como visibilidade (ser famoso) e likes na internet.
Lembro-me aqui do Forrest Gump, na cena em que o
personagem resolve correr e correr e logo começa a ser seguido e em algum
tempo, centenas e centenas de pessoas encontram nele o motivo de suas próprias
vidas. Só faltou combinar com o Forrest. Em um instante, sem nenhuma razão
aparente - aliás, a mesma falta de razão que o fez principiar a corrida - ele
para e vai fazer outra coisa, imergindo no cotidiano. E o vazio se instalou,
mais uma vez, na alma da multidão.
Voltando ao Aristóteles: o Fim-Felicidade não passa pela fuga da dor e nem pelo encontro necessário com ela, porque não há uma relação entre Felicidade e Sucesso, mas entre Felicidade e Bem Comum. Ou seja: em vez de estar acima, recebendo os raios brilhantes do sol antes dos outros, sozinho, mesmo que por um instante, a Felicidade aristotélica é estar ao lado de muitos, compartilhando o sol que, de resto, assim como o feijão, sempre dá pra mais um convidado e outro e outro. Basta reconhecê-lo como merecedor daquilo que você deseja para você também.
Epicuro, outro daqueles incríveis pensadores
gregos, dizia que a Felicidade é o prazer obtido pelo discernimento – e ele
pode implicar alguma dor, desde que isso signifique afastar dores maiores. Algo
como suportar a picada da agulha da injeção para se imunizar contra um vírus
terrível. Ou aceitar a broca do dentista e depois poder voltar a sorrir. Ou ter
a paciência de esperar, ou a determinação de estudar por longas horas, ou
percorrer longas distâncias para, enfim, ser recompensado pelo abraço querido
de alguém que também se esforçou para encontrá-lo.
Isto é: não parece haver uma incompatibilidade
necessária entre dor e felicidade, mas entre felicidade e sucesso, que causa
dor. Como diziam os antigos, aí está o busílis. Muitos querem o sucesso e acham
que isso lhes trará felicidade. Para isso, aceitam qualquer negócio, por mais
doloroso - do ponto de vista físico ou moral - que seja. Muitas vezes tornam-se
bem sucedidos. E descobrem que a felicidade que acompanha esse momento é como
um pedacinho de algodão doce. Maravilhoso ao vê-lo. Irresistível antes de
tê-lo. Rapidamente delicioso quando consumido, tanto quanto insuficiente.
Frustrante antes mesmo de ser esquecido. E o Fim é o vazio da perda da
inocência de que um pedacinho de algodão doce era tudo o que se queria e
que é impossível reiniciar a operação imediatamente. O segundo pedaço de
algodão doce é somente a busca desesperada pelo sabor que não se repetirá mais.
E lá vamos outra vez, correndo atrás de outro Forrest Gump, enquanto os textos
de Aristóteles e as máximas de Epicuro empalidecem nas prateleiras.
Daniel Medeiros - Doutor em Educação Histórica e professor no Curso
Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros
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