Rompimentos, torções, sobrecargas, distensões. A carreira de um atleta de alto rendimento costuma ter muitos desses substantivos dolorosos. Em busca de superar limites, esses seres humanos quase deuses, muitas vezes não conseguem evitar que as lesões assombrem seus sonhos dourados. O estresse não é apenas físico, mas também emocional. Quando Simone Biles, considerada por muitos a maior ginasta de todos os tempos, desiste de competir em nome de sua saúde mental, é porque seu corpo jovem já ultrapassou há muito a tênue linha que divide as conquistas dos traumas. E a norte-americana é apenas o exemplo mais recente que prova: o esporte nem sempre é sinônimo de saúde.
Ao longo dos séculos, a humanidade vem organizando
a atividade física, necessária para a manutenção do bem-estar, sob diferentes
regras, padrões e metodologias. A esse conjunto de normas dá-se o nome de
esporte. Enquanto cabeça, tronco e membros se movimentam, o gasto calórico
causa transformações no organismo humano. Mexer-se é desenvolver uma melhor
condição cardiorrespiratória, potencializar o metabolismo, fortalecer a
musculatura e a estrutura óssea, estimular o sistema hormonal. Tudo isso é
muito bem-vindo e promove a saúde física e mental. No entanto, no caso de
esportistas profissionais, o objetivo é outro.
Ser o primeiro é a finalidade primordial para quem
tem o esporte como profissão. Afinal, como em qualquer profissão, entregar bons
resultados é o que traz reconhecimento. A rotina de atletas de alto rendimento
tem mais a ver com performance do que com saúde. E, para atingir as ambiciosas
metas estabelecidas, muitas vezes os quesitos da saúde são extrapolados. Ganhar
medalhas, vencer torneios e campeonatos e manter-se no topo de rankings são
resultados almejados por qualquer atleta profissional. Embora gerem melhorias
para o organismo, esses propósitos aumentam o risco de sofrer lesões.
A dor é uma constante na vida de quem deseja ir
além do que outros já foram. Atletas de alto rendimento treinam muitas vezes na
semana, durante horas seguidas, impondo a seus corpos cargas muito intensas. O overtraining
pode causar lesões que comprometem carreiras para sempre e, para evitar um
impacto demasiado grande em músculos, articulações, ossos e tendões, uma equipe
complexa de profissionais orienta e monitora os movimentos. Fisioterapeutas se
somam a educadores físicos, que, por sua vez, trabalham em sintonia com
nutricionistas, que acompanham toda uma horda de psicólogos e médicos de várias
especialidades. A ciência contemporânea é capaz de prevenir grande parte dos
problemas que, há poucos anos, atormentavam os atletas. Mesmo assim, há um
limite que não pode ser ultrapassado. E, às vezes, é exatamente ali que está a
pequena lacuna que impede alguém de se tornar um campeão.
Fernando Pessoa dizia o que muitos esportistas
aplicam sem notar: “Quem quer passar além do Bojador / tem que passar além da
dor”. É aí que mora o risco. Não importa quanto acompanhamento se tem, o
excesso é sempre muito perigoso - e pode até mesmo levar à morte ou a sequelas
irreversíveis. Na última edição da Eurocopa, o jogador da Dinamarca Christian
Eriksen teve uma parada cardíaca em campo. Mesmo sendo a grande estrela da
seleção de seu país e da Inter de Milão, constantemente avaliado por toda uma
estrutura médica e profissional, ninguém conseguiu prever o que estava para
acontecer naquele dia. O nível que se exige hoje nos esportes de alto
rendimento é muito alto e, muitas vezes, a intensidade dos treinamentos é
superior à capacidade do atleta.
E não importa se o drama é físico, como o do
dinamarquês, ou psicológico, como o de Biles. Os problemas causados por ir além
dos próprios limites são igualmente graves. É um sprint, um arranque, um
levantamento, ou uma puxada em um momento decisivo, que pode trazer
consequências com as quais será necessário conviver por muito tempo. Para que o
esporte seja igual a saúde, é preciso respeitar o corpo como se respeitam as
regras de cada competição.
Zair
Candido de Oliveira Netto - doutor em Ciências da Saúde e coordenador do curso
de Educação Física da Universidade Positivo.
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