Uso indiscriminado de substâncias gera principalmente quadros de intoxicação, além de complicações nos rins e fígado do animal
Os proprietários de aves pet frequentemente se deparam
com propagandas de vitaminas e medicamentos em pet shops e nas redes sociais,
além de conselhos para ministrar substâncias por conta própria. Essa cultura
vai desde a recomendação de produtos veterinários até receitas caseiras, como
pingar gotinhas de vinagre no bebedouro da ave pet.
Embora esses conselhos possam parecer inofensivos ou até
mesmo confiáveis, na verdade, eles representam um sério risco para a saúde de
aves como calopsitas, periquitos, papagaios, entre outras espécies de
psitaciformes. A cultura de ministrar substâncias sem prescrição e
acompanhamento de um médico veterinário envolve perigos relacionados com a
ausência de diagnóstico, administração de doses inadequadas, riscos de
intoxicação e desenvolvimento de resistência aos medicamentos.
Medicamentos para aves
O uso de um medicamento deve ser certeiro, levando em
consideração a espécie de ave atendida e o peso do animal, então a definição de
dose depende do caso clínico de cada paciente. “Para cada medicamento, seja
qual for, dentro da classe de vitaminas, anti-inflamatórios, antibióticos e
antiparasitários, a gente tem uma dose específica para as espécies de aves
psitaciformes. As doses são diferenciadas, existem cálculos que fazemos de
acordo com o peso”, explica a médica veterinária Dra. Marta Brito Guimarães,
que é doutora em Ciências e professora no Ambulatório de Aves da Faculdade de
Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
Quando um tutor de ave decide ministrar um medicamento
por conta própria, pode gerar dois erros graves: superdose e subdose. Com a
superdosagem, o excesso de medicamento pode causar alterações hepáticas e
renais na ave, a depender da metabolização da medicação. Já com a ocorrência de
subdose, a substância não vai provocar o efeito desejado para algum tratamento.
Além disso, no caso dos antifúngicos e antibióticos, as subdoses representam um
grande problema porque geram o risco de desenvolvimento de resistência de patógenos
ao uso de medicamentos, comprometendo a eficácia das substâncias.
Em razão de desconhecimento e venda inapropriada de
medicamentos veterinários, proprietários de aves estão colocando a saúde dos
pets em perigo. Isso pode agravar uma doença ou ferimento pré-existente e em
alguns casos até mesmo levar ao óbito do animal. “Existem as medicações que
chamamos de nefrotóxicas ou hepatotóxicas. Isso significa que os medicamentos
têm uma ação tóxica para os rins, fígado ou até para o desenvolvimento do animal
e isso acaba acarretando numa piora do quadro clínico”, alertou a Dra. Marta em
entrevista ao podcast Psitacast.
Supondo o caso de uma ave que tenha lesão ou resistência
renal, se ela receber um medicamento nefrotóxico, poderá ter insuficiência
renal e até morrer, por exemplo. Além disso, a atitude de um proprietário de
ave que medica o animal sem prescrição acaba prejudicando o atendimento
veterinário. Como exemplo, se um tutor ministra um antiparasitário sem a
solicitação do médico veterinário, a medicação pode camuflar o quadro real da
ave e dificultar o posterior atendimento do paciente. “A medicação acaba
mascarando sinais clínicos, dificultando principalmente o diagnóstico das
doenças”, alerta a Dra. Marta.
Segundo ela, as substâncias mais utilizadas indevidamente
são os antibióticos. “Como os sinais clínicos das aves são inespecíficos, tudo
se confunde, e quando o tutor fala o que está acontecendo em um pet shop, na
maioria das vezes é indicado o uso de um antibiótico”, afirmou a médica
veterinária em entrevista ao Psitacast.
Enquanto, para a medicina humana, a comercialização de
antibióticos é restrita e as farmácias só liberam a venda do produto mediante
apresentação de receita médica, o mesmo não acontece na área de saúde animal. A
venda indiscriminada principalmente de antibióticos por meio da indicação de
balconistas de pet shops e sem prescrição é preocupante. “No campo veterinário,
ainda há uma luta para que não possam comprar diretamente no balcão. A
indústria veterinária está levando isso em consideração para que não haja
resistência ao uso de antibióticos”, disse a Dra. Marta.
O uso indiscriminado de vermífugos também representa um
problema. O ideal é que a ave seja medicada somente após diagnóstico e
realização de exame coproparasitológico para identificar a presença de um
determinado parasita. Assim, o tratamento será assertivo de acordo com o
patógeno encontrado, com o remédio correto e a dose adequada para não intoxicar
a ave.
Até mesmo receitas caseiras que parecem inofensivas
trazem sérios prejuízos para as aves pet. A cultura de adicionar vinagre na
água de banho e no bebedouro da ave é um exemplo disso, segundo a Dra. Marta.
“Colocar vinagre na água de banho interfere diretamente na pele e secreção que
é produzida pela ave para impermeabilização das penas. A gente tem que tomar
muito cuidado com produtos tópicos porque quando as penas perdem a oleosidade
natural, isso acaba interferindo na conservação da temperatura do animal”,
alertou a médica ao Psitacast.
As penas das aves desempenham a função de controle de
temperatura do animal, com o objetivo de manter a ave aquecida e protegida. Ou
seja, interferir na oleosidade e qualidade das penas pode fazer com que a ave
passe frio, entre outras complicações. O hábito de adicionar gotas de vinagre
no bebedouro da ave também não traz vantagens. Em tese, essa cultura popular
visa reduzir o PH da água e dificultar a sobrevivência de parasitas que
preferem ambientes alcalinos. No entanto, a água com vinagre também vai
impactar na saúde da ave e a acidez dessa água pode prejudicar a flora
intestinal do pet, por exemplo.
Vitaminas para aves
De acordo com a Dra. Marta, as rações extrusadas para
aves pet já são fabricadas especialmente com a quantidade ideal de vitaminas e
sais minerais para nutrir esses animais. Além disso, é indicado complementar a
alimentação das aves com legumes e verduras. A dieta adequada supre a
necessidade nutricional das aves e a rotina do pet não requer nenhum uso de
produtos vitamínicos.
O fornecimento de vitaminas para as aves sem recomendação
veterinária gera muitos problemas porque provoca a hipervitaminose, que é o
excesso de vitaminas. Segundo a médica veterinária, os perigos estão
relacionados com o excesso das chamadas vitaminas lipossolúveis, ou seja,
vitaminas solúveis em lipídios.
Nesse grupo das lipossolúveis estão as vitaminas A, D, E
e K, que dependem de gordura para serem absorvidas e se acumulam no corpo do
animal ao longo do tempo. “A hipervitaminose é algo que não conseguimos
reverter. Essas vitaminas vão se acumulando, levando para um processo tóxico.
No caso de vitamina D, por exemplo, o excesso pode levar a calcificações de
tecidos em rins e regiões vasculares, entre outras consequências”, explica a
Dra. Marta. É por isso que o fornecimento de vitaminas deve ocorrer apenas
mediante prescrição do médico veterinário, de forma controlada e responsável. O
uso de vitaminas só deve ocorrer durante tratamentos, para cuidar da ave em
fases de excesso de postura, muda de penas, entre outros casos conforme o
quadro clínico do paciente.
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