Em tempos de pandemia, é evidente que a saúde e a
vida das pessoas devem ser tratadas como prioridades, contudo, inegavelmente, a
situação também é crítica sob o viés econômico.
Com efeito, como consequência do Coronavírus,
infelizmente, empresas têm fechado suas portas e milhares de trabalhadores perderam
seus empregos. O Brasil, como não poderia deixar de ser, também vivencia esse
problema, o qual, ao que parece, ainda está apenas no início.
Tudo isso, obviamente, repercutirá no âmbito do
Poder Judiciário, já que não serão poucas as demandas trabalhistas e cíveis.
Entretanto, essa “onda” de demissões e fechamento
de empresas também poderá trazer consequências penais relevantes, tais como o
incremento da sonegação fiscal/previdenciária, a prática de ilícitos contra a
organização do trabalho, a apropriação indébita de bens fornecidos pela empresa
etc.
Uma questão que passa despercebida pela maioria das
pessoas, mas que, no campo prático, gera muita celeuma, está relacionada à
necessária devolução daqueles bens/itens fornecidos pelas empresas aos empregados,
quando da rescisão do contrato de trabalho.
No ambiente corporativo, é muito comum que as
empresas forneçam a seus funcionários determinados bens para facilitar a
efetiva realização do trabalho, tais como celulares, notebooks, tablets,
ferramentas e, em alguns casos, automóveis e motos.
Ao longo do contrato de trabalho, é comum que o
funcionário incorpore aquele bem ao seu dia-a-dia, utilizando-o livremente não
só para questões profissionais como também pessoais.
Muitas vezes, esse tipo de benefício possui
previsão contratual expressa, justamente para regrar direitos e deveres, de
lado a lado. Nesses casos, havendo a rescisão da relação de trabalho, a
situação jurídica envolvendo aqueles bens tende a ser resolvida de forma mais
fácil e rápida. Porém, nem sempre é assim.
De fato, na ausência de disposição contratual a
respeito, basta ocorrer a dispensa do funcionário para que (via de regra)
surjam os problemas.
Isso porque, não raro, o funcionário
demitido/dispensado acredita ter “direitos” em relação aos bens que lhe foram
fornecidos pela empresa, seja por acreditar que se tornou dono da(s) coisa(s),
seja por entender que a manutenção da posse daqueles itens serviria como
reparação pela perda do emprego.
Nesse ponto, é importante dizer que, salvo
disposição contratual expressa, tais bens não são “presentes” dados aos
funcionários, mas, sim, itens de trabalho pertencentes à empresa,
os quais são cedidos aos funcionários, em caráter precário, para que possam
desempenhar as suas funções. Ou seja, a empresa cede a posse
daqueles bens ao funcionário, mas, obviamente, não a propriedade.
Logo, não é porque o funcionário permaneceu usando
um determinado celular, notebook, ferramenta ou automóvel por um longo período
que, só por isso, torna-se dono da coisa.
É preciso deixar claro que, excetuando-se situações
contratuais específicas, a propriedade daqueles bens não se
altera, ainda que o beneficiário seja um alto executivo ou alguém que tenha
ficado na posse dos mesmos por vários anos.
Sendo assim, com o término do contrato do trabalho,
caso o ex-funcionário se negue a devolver os bens que lhe tinham sido cedidos
pela empresa, poderá vir a incorrer na prática do delito de apropriação
indébita, previsto no artigo 168, do Código Penal, cuja pena, na sua forma
simples, varia de um a quatro anos de reclusão, e multa.
De fato, assim como o empregador, legítimo
proprietário daqueles bens, tem o direito de reavê-los, o ex-funcionário, por
sua vez, tem o dever de devolvê-los, ainda que não seja formalmente cobrado
pela pessoa jurídica.
Para que não pairem dúvidas a respeito, é bom
deixar claro que, mesmo no caso de o empregador não cobrar a devolução, incumbe
ao ex-funcionário devolvê-los ou, pelo menos, celebrar um acordo para colocar
um fim na questão e, assim, evitar problemas futuros. Simplesmente acreditar
que o eventual silêncio do empregador, após a rescisão do contrato de trabalho,
poderia ensejar algum direito de retenção legítima sobre aqueles itens
configura-se um rematado equívoco.
Afinal, o crime de apropriação indébita ocorre
apenas no instante em que o possuidor da coisa, até então exercendo a posse
legítima e autorizada da mesma, passa a se comportar como se dono fosse. É aí,
ou seja, no instante em que o mero possuidor ou se recusa a devolver a coisa,
ou, então, adota um comportamento não autorizado pelo proprietário (vende, cede
a terceiros, aluga, joga fora etc.), que se consuma o crime de apropriação
indébita.
Dentro desse contexto, ainda mais agora, em razão
da crise econômica decorrente da pandemia, é altamente recomendável que
empresários e empregados celebrem acordos escritos a respeito dos bens cedidos
pelas empresas, justamente para delimitar regras claras a respeito e, desta
forma, evitar problemas futuros de ordem cível e criminal.
Euro Bento
Maciel Filho - mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Também é
professor universitário, de Direito Penal e Prática Penal, advogado
criminalista e sócio do escritório Euro Maciel Filho e Tyles – Sociedade de
Advogados. Para saber mais, acesse - http://www.eurofilho.adv.br/
pelas redes sociais - @eurofilhoetyles; https://www.facebook.com/EuroFilhoeTyles/
, ou envie e-mail para atendimento@eurofilho.adv.br
e eurofilho@eurofilho.adv.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário