A pandemia do COVID-19 impactou sobremaneira a
sociedade civil. Especialistas em diversos segmentos da saúde sinalizam que o
arrefecimento das contaminações passa pelo “distanciamento social” e nesse
passo, tem-se visto a adoção de medidas favoráveis ao isolamento, seja no
âmbito do Poder Executivo (por meio de medidas provisórias), do Legislativo
(por meio de leis) e até mesmo do Judiciário (por meio de decisões que impõem,
sob pena de multa, o isolamento de pessoas que descumprem com as medidas de
isolamento social).
O Ministério da Saúde, declarou Emergência em Saúde
Pública de Importância Nacional (Portaria 188/2020), após o que foi promulgada
a Lei Federal 13.979/2020 que dentre outras medidas, previu a possibilidade de
adotar-se medidas preventivas tais como, dentre outras, o isolamento, a
quarentena e a restrição de atividades não essenciais.
E como ficam os Clubes Sociais que não integram o
rol de “atividades essenciais” (consoante o Decreto Federal 10.282/2020) –
fecharam suas portas para evitar o contágio entre seus associados e
funcionários, o que faz
surgir o legítimo questionamento: o associado deve ou não pagar a ‘mensalidade’
do clube enquanto o mesmo estiver fechado?
A resposta não é “sim”, nem “não”.
Clubes possuem natureza jurídica de associação sem fins
lucrativos. Não é por outro motivo que os usuários dos clubes são denominados
“associados” que, nessa condição, contribuem mensalmente com o rateio das
despesas que o clube enfrenta para regularmente funcionar.
É errônea,
portanto, a generalização
de que toda e qualquer
relação entre usuários e clube devam ser regidas pelo Código de
Defesa do Consumidor. Nesse sentido, o mais recente posicionamento do Superior
Tribunal de Justiça a esse respeito ponderou que “em virtude das diversas situações envolvendo clubes
recreativos e seus associados, dependendo do caso concreto, pode haver a
aplicação das normas do CDC” (REsp 1713822 de relatoria do
Ministro Moura Ribeiro, publicado em 23/03/2020).
Entendemos que a relação básica entre o clube e seu
associado (isto é: a mera relação entre clube e associado baseada no uso/gozo
do clube pelo associado e no direito do clube ao crédito referente à
contribuição associativa) é de natureza civil
e que o fechamento do clube por conta da pandemia, por si só,
não desautoriza o associado a pagar sua contribuição mensal.
Todavia, se a contribuição associativa representa a
divisão das despesas do clube (consoante previsão orçamentária aprovada de
tempos em tempos) entre os associados, a redução das despesas do clube, ainda
que temporárias, justificariam a redução (também temporária) da contribuição
associativa? Nos parece
que sim.
O fechamento temporário do clube motivado pelo
isolamento vertical inevitavelmente
implicará importante economia ao clube quanto ao consumo de água, gás, energia
elétrica, telefone, materiais de escritório, insumos de limpeza e de
conservação. Adicionalmente, a Medida Provisória 936/2020 permitiu a redução
proporcional da jornada de trabalho e do salário, bem como a suspensão
temporária do contrato de trabalho, medidas essas que poupam relevantes
recursos dado que a folha de pagamento representa a maior despesa dos clubes.
Sem dúvida, a boa gestação realizada em
clubes recreativos (economia nas despesas gerais e redução do valor da folha)
causará uma relevante economia que deverá ser repassada aos associados
por meio de descontos proporcionais às economias auferidas.
Ao tratar do direito das obrigações (e a
contribuição associativa é uma obrigação que decorre da associação, e não de um
“contrato de prestação de serviços”), a parte do Código Civil que trata do
Direito das Obrigações previu, no Artigo 317, que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução,
poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto
possível, o valor real da prestação”.
Ora! Se
a contribuição associativa corresponde ao rateio das despesas do clube, se o clube reduzirá
suas despesas com contas de consumo e com folha de pagamento, é consequência lógica o
dever do clube repassar as economias aos seus associados, na mesma proporção da
economia.
Tal medida é corolário não só do Artigo 317 do
Código Civil, como também do dever de boa-fé em todas as suas vertentes, como o
cuidado, a cooperação e o duty
to mitigage the loss. Não se pode perder de vista que os associados
atravessam por um período difícil e que possivelmente terão que racionalizar
suas despesas para enfrentar a crise de extensão ainda desconhecida (e que
fatalmente se prolongará para além do tempo da quarentena ou da própria
pandemia em si).
Deve então o clube zelar por seus associados, sob o
risco de estimular uma debanada em massa, ou uma expressiva judicialização –
cenários que não são interessantes ao clube (pois em médio prazo se verá
obrigado a aumentar o valor da contribuição associativa já que as despesas
passarão a ser rateadas por menor número de associados), tampouco aos
associados – que, pelo mesmo motivo, passarão a ter uma contrapartida mais
onerosa, podendo ser o estopim para decidirem cortar essa “despesa”, dando-se
espaço a um movimento cíclico de aumento de mensalidades e debandada de
associados.
Enfim, a nossa conclusão quanto à contribuição associativa
(pois outro é o tratamento
jurídico aplicável às cobranças por serviços prestados pelo clube tais como a
cobrança por aulas, por uso de academia, sauna, spa, etc.) é que
segue sendo exigível
pelo clube, dada a inexistência de caráter de “prestação de serviços”, mas sim
de repartição de despesas razão pela qual, havendo relevante economia
imprevista e inesperada, deve
o clube conceder aos seus associados um desconto
na mesma proporção da economia, o que é medida de transparência,
equidade, consciência social, boa-fé (em todas as suas vertentes), além de
decorrer de expressa possibilidade prevista no Código Civil Brasileiro.
Dr. Rodrigo Karpat - Sócio da Karpat
Sociedade de Advogados, especialista em direito imobiliário e questões
condominiais e Coordenador da Coordenadoria de Direito Condominial OAB
Seccional São Paulo na OAB-SP.
Dr. Arthur Zeger -Professor universitário em cursos de graduação, extensão, pós-graduação e em cursinhos preparatórios para o Exame de Ordem e concursos públicos, juiz de Tribunais de Justiça Desportiva, membro (relator) da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário