Do notável humorista e ator
Grouxo Marx: “Estes são meus princípios;
se não gostar, tenho outros”.
Pois
eu uso os mesmos princípios há tanto tempo que não saberia servir-me de outros.
Um deles me impede de invadir a consciência alheia para emitir juízos de
caráter. Considero violência fazê-lo. No entanto, quando uma figura pública
mostra, de modo reiterado e persistente, total desmazelo em relação à própria
imagem, eu me sinto desobrigado de manter a prudente condescendência que ela
não outorga a si mesma. O ministro Gilmar Mendes se enquadra nesse caso. Nos
últimos meses, tornou-se o personagem mais mencionado da cena brasileira,
comparecendo a todas as rodas, mesas e colunas de jornal.
O
dever de formar opinião sobre figuras de tal porte não é facultativo, mas
impositivo à condição de cidadão. Se, como ministro do STF, Gilmar já é, por
natureza, uma pessoa pública, suas ações desde o julgamento da chapa
Dilma-Temer no TSE o trouxeram para o centro da ribalta, onde vaias e aplausos
não costumam ser poupados. E nesse particular, o ministro foi, aos poucos,
personificando os inimigos da Lava Jato. Quem quiser dar-lhes rosto e
representar a proteção aos corruptos forçosamente desenhará uma face redonda,
bochechuda, e lábios arqueados para baixo sob o peso de uma personalidade
insolente.
Afinal, alguém precisa proteger os
endinheirados do Brasil; alguém, neste país tão injusto, precisa mostrar que
corruptos ricos também têm direitos e que a cantina do presídio não é lugar
para grã-finas. Cartéis não devem ser misturados, todo mundo sabe. Bastou Lula
dizer que o Rio não merece ter governadores presos por haverem roubado o
dinheiro do povo para Gilmar devolver Garotinho aos braços desse mesmo povo. E
só não soltou a esposa Rosinha porque esta já estava em casa, claro, de
tornozeleira, esperando pelo marido, como convém às vésperas do Natal. Ora
essa! Bando de gente desumana!
Quaisquer pressupostos favoráveis à
conduta de Gilmar Mendes, que se exalta suas próprias responsabilidades na
“jurisprudência libertária da 2ª Turma”, caem ante a opinião que dele fazem os
próprios colegas de corte. Já a expressava Joaquim Barbosa quando literalmente
o acusou, em plena sessão do tribunal, de estar “destruindo a justiça deste
país”. Revelou-a, recentemente, Roberto Barroso, quando jogou-lhe em rosto essa
“leniência que Vossa Excelência
tem para com a criminalidade de colarinho branco”. O ministro Marco Aurélio
Mello, em entrevista concedida em Porto Alegre há dois meses, referindo-se ao
colega Gilmar, que o tratara por “velhaco”, disse: “Em relação a mim ele
passou de todos os limites inimagináveis. Caso estivéssemos no século 18, o
embate acabaria em duelo e eu escolheria uma arma de fogo, não uma arma
branca”.
A
opinião pública, essa multidão formada por mim e você, leitor destas linhas,
sabe que o amor ao próximo, à justiça, ao direito, é incompatível com o
desprezo ao papel pedagógico das instituições, com o mau humor permanente e com
a arrogância que marca a fisionomia e a conduta do ministro Gilmar. Mas esse
mesmo amor, sabemos, é compatível com a Lava Jato, com o juiz Sérgio Moro e
tantos outros que comprovam haver juízes para um novo amanhã em nosso país.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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