Como se sabe, a prática de “passar
pontos” da Carteira Nacional de Habilitação decorrentes de infrações
de trânsito para outrem, tornou-se, para muitos cidadãos, algo corriqueiro e
habitual. Contudo, essa conduta configura crime com todas as suas
consequências.
E, quais são as consequências? Ser alvo de um
Inquérito Policial, tornar-se réu em uma Ação Penal e até mesmo ser condenado
por um delito e ter que cumprir pena, em regime fechado, a depender da
quantidade de vezes que o delito foi praticado.
Isso porque, segundo estabelece o artigo 299 do
Código Penal Brasileiro, configura o crime de falsidade ideológica quando o
agente “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia
constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar
a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
No que se refere a pena prevista para tal delito, o
Código Penal estabelece pena que varia de um ano até cinco anos de reclusão,
além de multa.
Com efeito, o comportamento de “passar pontos da
CNH para outrem” adequa-se, perfeitamente, ao referido artigo do Código Penal.
E, tantas vezes quantas forem feitas as falsas “passagens de pontos” para
outrem, serão considerados para a contagem da quantidade de crimes perpetrados.
Ou seja, se o cidadão passou dez vezes os pontos de
forma “irregular”, pode-se ter dez crimes de falsidade ideológica que,
como se viu, estabelece pena de um até cinco anos para cada delito cometido,
cada “passagem de ponto” falseada.
Assim, o proprietário do automóvel, ao indicar um
condutor que não estava dirigindo o seu veículo, acaba por falsear a verdade ao
DETRAN. Ou seja, insere declaração falsa para alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante, isto é, livrar-se de pontuação que poderia fazer a sua
licença de dirigir ser suspensa.
Neste ponto, é importante mencionar que,
tecnicamente, por mais que este “outrem” aceite receber os “pontos”, o mero
fato de falsear a verdade, ainda que com aceitação da outra parte, para se
livrar dos pontos na CNH, configura o delito de falsidade ideológica (artigo
299, do Código Penal).
Não importa, pois, para a nossa legislação
criminal, o consentimento daquele que foi indicado como condutor e recebeu os
pontos em sua CNH.
Aliás, o sujeito que recebeu os pontos da CNH e
concordou com isso, também poderá responder pelo delito de “falsidade
ideológica” nos moldes do artigo 29, do Código Penal, pois, é certo, de acordo
com a nossa legislação penal, quem, de qualquer modo concorre para a prática do
crime, responde pelo crime na medida de sua culpabilidade.
É bem verdade que, normalmente, as vítimas são
pessoas que sequer sabiam que estavam sendo indicadas como “condutor” e só
acabam percebendo a “fraude”, quando tentam renovar a CNH e não conseguem pois,
evidentemente, estão suspensos por terem ultrapassado o limite de pontos.
Contudo, há, também, casos em que pessoas “compram”
e outras “vendem” os pontos. É dizer, o agente que não pode mais receber pontos
em sua CNH acaba transmitindo os seus pontos para outrem, mediante um preço
ajustado com o sujeito que aceitou receber os tais pontos.
Mesmo nestes casos e, por mais que não haja
qualquer contraprestação pecuniária, o crime de falsidade ideológica está
consumado, pois, evidentemente, a falsidade foi inserida em documento público
para que o cidadão pudesse se ver livre dos pontos da CNH.
Enfim, seja lá quantas infrações de trânsito o
cidadão tenha cometido, o ideal é cumprir a suspensão administrativa e não
“passar os pontos” pois, tal conduta tem o condão de criar um enorme problema
criminal.
Recomenda-se, pois, apesar da prática corriqueira
de “passar pontos”, ainda que com o consentimento da outra parte, a imediata
extinção deste hábito, evidentemente, previsto como crime pela nossa legislação
criminal.
Gabriel
Huberman Tyles - professor universitário e advogado criminalista,
sócio do escritório de advocacia Euro Filho & Tyles Advogados Associados.
Mestre e Especialista em Direito Processual Penal pela PUC-SP. Graduado em
Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do Conselho Editorial
do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), membro do
corpo de Pareceristas da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCcrim),
membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP e membro do Instituto de Defesa
do Direito de Defesa (IDDD). Também é autor de diversos artigos jurídicos e
advoga de forma voluntária para a União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar
Social (UNIBES).
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