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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Um é pouco, dois é bom, três é bigamia

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“A lei simplesmente não reconhece, nem protege, uniões paralelas, simultâneas ou poliafetivas”

 

Há alguns anos, chegou ao Brasil uma minissérie que gerou grande polêmica nos Estados Unidos. Produzida por Tom Hanks para a HBO, Big Love — aqui exibida com o título Amor Imenso — mostrava a vida de Bill, um homem casado com três mulheres, com quem teve sete filhos. A história despertou muita curiosidade na época e ainda hoje serve como ponto de partida para entender o que aconteceria, do ponto de vista legal, se uma situação semelhante ocorresse no Brasil.

No enredo, Bill pertence a uma tradição religiosa que admite múltiplos casamentos. Mas, juridicamente, isso não faz diferença. Regras religiosas não podem se sobrepor à lei brasileira, que continua sendo clara e rígida: bigamia é crime. O Código Penal define bigamia como o ato de alguém contrair novo casamento civil sabendo que seu casamento anterior ainda é válido. A pena permanece a mesma: de dois a seis anos de prisão. Já a poligamia — quando alguém se casa civilmente com três ou mais pessoas — é tratada da mesma forma.

E não é só o bígamo ou o polígamo que pode ser punido. Se a segunda — e também a terceira, quarta etc. — pessoa sabia que havia outro casamento em vigor, ela também pode responder criminalmente, com pena de um a três anos de detenção. Além disso, somente o primeiro casamento é válido. Todos os demais são nulos e não produzem efeitos jurídicos.

Por outro lado, bigamia e poligamia só existem quando os casamentos são formalizados no cartório. Se houver apenas cerimônias religiosas, sem registro civil, então, do ponto de vista jurídico, não há casamento algum — portanto, não há bigamia nem poligamia. Isso colocaria as três mulheres de Bill em uma posição extremamente frágil perante a lei brasileira. Nessa hipótese, elas não seriam esposas nem companheiras em união estável, porque a união estável é necessariamente monogâmica. Se um homem mantém vida em comum com três mulheres ao mesmo tempo, não está em união estável com nenhuma delas.

E o que isso significaria, na prática, para essas mulheres? Muita coisa. Como não existe previsão legal para uma relação simultânea desse tipo, nenhuma delas teria direito à herança, à pensão alimentícia, à meação de bens ou a benefícios previdenciários, ainda que tivessem convivido com ele por anos. A lei simplesmente não reconhece — nem protege — uniões paralelas, simultâneas ou poliafetivas.

A única exceção recairia sobre os filhos dessa relação. Estes, sim, teriam seus direitos preservados integralmente, pois a lei brasileira garante proteção e igualdade aos filhos independentemente da forma de relacionamento dos pais.

 


Ivone Zeger - Advogada, consultora jurídica, palestrante e escritora.

Fonte: https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/um-e-pouco-dois-e-bom-tres-e-bigamia

 **As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio**

 

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