Quando vínculo,
personalização e experiência valem mais que luxo
O turismo vive uma retomada acelerada e traz com
ele um novo perfil de viajante. Mais seletivo, conectado a experiências
autênticas e atento ao impacto de suas escolhas, ele já não se impressiona com
ostentação. Em 2024, diversos países registraram recordes no setor e as
projeções apontam para expansão contínua nas próximas décadas, com gastos
bilionários e crescimento constante da participação do turismo no PIB global.
No Brasil, os números mostram essa tendência. O
país recebeu cerca de 6,8 milhões de turistas internacionais em 2024, o maior
volume da série histórica. A receita gerada pelos estrangeiros chegou a US$ 7,3
bilhões e estimativas oficiais indicam que a contribuição total do setor ao PIB
já alcança dezenas de bilhões de dólares. Os dados reforçam a dimensão da
oportunidade e, sobretudo, a mudança no comportamento de quem viaja. Hoje,
antes de reservar, o hóspede quer saber o que a experiência entrega e não
apenas o que a estrutura exibe.
Conforto importa, mas não é mais suficiente. O
viajante atual busca refúgio, acolhimento e sensação de cuidado. Quer
descansar, não administrar imprevistos. Tendências mapeadas pela Booking.com
apontam aumento na demanda por bem-estar, conexão com a natureza e vivências
locais. O quarto é apenas o ponto de partida; o que pesa é como o hóspede se
sente enquanto está ali.
Esse movimento aparece com clareza na trajetória de
Marta Cristina Freitas, concierge e especialista em experiência do consumidor,
à frente de uma pousada de charme em Arraial d’Ajuda há mais de 25 anos. Para
ela, atendimento nunca foi um ato pontual e sim uma atitude diária. “Quarto
impecável é o mínimo. O que faz a pessoa voltar é a sensação de ter sido
cuidada. O hóspede quer deixar a bagagem, desligar a cabeça e sentir que tudo
está resolvido desde a chegada”.
A pousada tornou-se reconhecida por manter poucos
quartos, ambiente familiar e personalização genuína muito antes de esse
conceito virar tendência. Cada viagem de Marta funcionava como um laboratório.
Em vez de retornar com compras, ela voltava com soluções. A observação
constante gerou práticas simples e eficazes. Quando percebeu que informativos
de check-in eram ignorados, transformou a senha do Wi-Fi em convite: criou um
envelope de boas-vindas com todas as informações essenciais de forma discreta e
prática. Ao abrir, o hóspede recebia o que precisava e descobria o que podia
aproveitar.
Viagens internacionais também inspiraram ajustes.
Após notar a repetição de lanches em pousadas de praia, a equipe reformulou o
cardápio e passou a servir pratos leves com proteína, salada e acompanhamentos
como uma pausa antes do jantar. Cada mudança reforçava a ideia de que a
experiência importa mais do que modelos repetidos.
A lógica da concierge surgiu muito antes do nome.
Sugestões de roteiro, reservas de passeio, apoio com idioma e adaptações para
famílias com crianças já faziam parte do cotidiano da pousada. Nos anos 2000,
com a chegada crescente de turistas holandeses, Marta contratou professores
para ensinar inglês à equipe inteira. A comunicação deixou de ser barreira e
passou a ser diferencial. A premissa era simples: quem está de férias não deve
gastar energia com tarefas operacionais da viagem... e isso continua atual.
Na decisão de reserva, alguns fatores passaram a
pesar mais: acolhimento genuíno desde o primeiro contato, agilidade na
comunicação, flexibilidade nos horários, sugestões personalizadas e a
combinação entre conforto e sensação de refúgio. Enquanto isso, itens que já foram
decisivos perderam força. Piscinas maiores, decoração genérica para fotos ou
tecnologia complexa que complica mais do que facilita deixaram de ser
diferenciais.
Um relatório global da Hilton mostra que 63% dos
viajantes valorizam chave digital e eliminação de filas, ao mesmo tempo em que
cresce o interesse por viagens com certo detox digital. Ou seja: tecnologia
ajuda quando simplifica; o “bom dia” dito com atenção continua imbatível.
A consciência ambiental também passou a fazer
diferença. Publicações do Ministério do Turismo e da Rede de Inteligência de
Mercado apontam que práticas sustentáveis e gestão responsável dos territórios
influenciam a decisão de reserva. Marta participou de ações de reciclagem na
orla e de iniciativas por melhor acesso às praias de Arraial d’Ajuda. Para ela,
turismo traz renda, mas também responsabilidade: “Cuidar do lugar é cuidar do
hóspede”.
A jornada do viajante começa antes do embarque.
Cada vez mais, ele busca se reconectar consigo mesmo, com a família ou com o
mundo ao redor. Já não escolhe hospedagem apenas pela estrutura visível, mas
pela promessa de descanso, propósito e autenticidade. Como resume Marta
Cristina Freitas: “A hospitalidade deixa de ser apenas estrutura e passa a
representar memória, acolhimento e ausência de frustrações. A viagem deixa de
ser deslocamento e se transforma em experiência com significado”.
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