A travessia da adolescência na vida humana é repleta de riscos. Talvez por isso seja tão fascinante, com momentos dignos de serem guardados para sempre, situações memoráveis! O proibido ganha sabor. Isso porque mistura a explosão de hormônios às inúmeras oportunidades de experimentação, inerentes ao processo de autoafirmação, uma passagem obrigatória para a construção da identidade. Por tudo isso, a presença de adultos ganha relevância não somente para acompanhar de perto, ajudando nas escolhas, mas, sobretudo, na condição de ex-adolescente, conhecedor das dores e dos sabores dessa época da vida.
E as tentações pouco saudáveis são muitas.
Infelizmente, as pesquisas mostram que voltamos a crescer no que diz respeito
ao tabagismo entre os estudantes de 13 a 17 anos em todo o mundo. Agora
embalado de forma eletrônica, o fumo é um item de consumo que há décadas
desafia o trabalho de combate ao tabagismo desenvolvido por pais, especialistas
e professores. O vape ou pod, como são chamados os cigarros
eletrônicos, invadiu as baladas e as escolas sem deixar rastro. Literalmente,
já que o cheiro característico do consumo do cigarro convencional não existe
nos modelos eletrônicos ou, quando existe, é agradável, com notas de frutas,
menta e outros odores aparentemente inofensivos.
Esse dispositivo chegou como uma alternativa de
transição menos nociva para que adultos conseguissem abandonar o vício no fumo.
No entanto, com o passar do tempo, o pod acabou se transformando em uma
febre entre adolescentes que, além de não serem viciados em cigarros
convencionais, também desconheciam, em grande parte, estar consumindo um
produto com nicotina. Ou seja, em vez de reduzir o contingente de fumantes, o
cigarro eletrônico trouxe para o vício uma nova horda de pessoas, em sua
maioria jovens.
Muitos estudos dão conta de uma série de prejuízos
associados ao uso desse dispositivo. Uma pesquisa realizada na Universidade do
Sul da Califórnia (USC), nos Estados Unidos, associa o uso de cigarros
eletrônicos a mudanças biológicas responsáveis por uma série de doenças. De
acordo com o estudo, que foi publicado na revista Scientific Reports, as
substâncias contidas no produto desregulam genes mitocondriais e interrompem
vias moleculares que atuam na imunidade e nos estados inflamatórios. Isso
significa que o organismo perde parte da capacidade de combater doenças e pode,
além disso, desenvolver doenças autoimunes. De fato, ainda não se pode
dimensionar todos os malefícios do uso constante do cigarro eletrônico, mas o
que já está mapeado é suficiente para entender que se trata de uma escolha
capaz de comprometer a saúde física e mental ao longo da vida.
Tudo o que é elevado à categoria de novidade ganha
potência na adolescência. Por isso, precisamos de uma aldeia mobilizada para
desencorajar o uso desses produtos e não permitir que a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) volte atrás na proibição, vigente desde 2019. Se,
de um lado, há uma estratégia da indústria do tabaco para aumentar o número de
fumantes, do outro, há muitos adolescentes fragilizados pela reclusão
pandêmica, querendo se esconder no vapor desse dispositivo descolado e sedutor.
É quase uma combinação perfeita, não fosse o despertar da família e da escola
para a centralidade desse tema, trazendo como pauta de trabalho a
conscientização dos adolescentes em relação aos riscos desse consumo.
Já entendemos que somente a escuta ativa, o olhar
atento e o diálogo construtivo serão capazes de reconectar os adolescentes às
contribuições experientes dos adultos - pessoas que já passaram pelos mesmos
dilemas e lidam até hoje com as consequências das escolhas que fizeram.
Acedriana Vicente Vogel - diretora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.
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