Todas as colmeias, tanto da área que recebeu o inseticida quanto da área-controle, possuíam uma rainha com a mesma idade. Na foto, os pesquisadores verificam a presença da rainha (foto: acervo dos pesquisadores)
Desenvolvidos para matar insetos que prejudicam plantações, os
inseticidas naturalmente afetam as abelhas, animais invertebrados extremamente
importantes para a polinização de culturas agrícolas e espécies silvestres de
plantas. O uso de moléculas menos tóxicas e que se degradam rapidamente, aliado
a um gerenciamento da aplicação dos produtos, porém, podem minimizar os danos
às colônias de abelhas e, consequentemente, às plantações e à biodiversidade.
É o que mostra um estudo publicado na
revista Science of the Total Environment por pesquisadores
de Portugal e do Brasil, estes últimos apoiados pela FAPESP.
“Os efeitos adversos dos inseticidas são bastante conhecidos nas abelhas
e há vários estudos laboratoriais evidenciando isso. Queríamos entender como
essa ação se dava em condições de campo, mais realistas, e conseguimos fazer um
gerenciamento utilizando diferentes técnicas, de maneira que a aplicação do inseticida
afetasse minimamente esses polinizadores”, conta Caio Domingues,
que realizou o trabalho como parte do doutorado no Centro de Estudos de Insetos
Sociais da Universidade Estadual Paulista (CEIS-Unesp), em Rio Claro, com bolsa da FAPESP.
Segundo Osmar Malaspina, professor do
CEIS-Unesp que participou do estudo, as abelhas têm um papel essencial na
polinização, inclusive de culturas agrícolas importantes no Brasil, como soja,
laranja e café.
“As pesquisas do nosso grupo nos últimos 20 anos mostram como os
inseticidas podem ser prejudiciais às abelhas, o que contribuiu para que os
próprios fabricantes, junto com os produtores, passassem a buscar formas de
reduzir esse impacto”, explica o pesquisador, que coordena o projeto “Interações abelha-agricultura: perspectivas para a
utilização sustentável”, apoiado no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.
O experimento descrito no estudo foi realizado no distrito de Castelo
Branco, em Portugal, durante estágio realizado por
Domingues na Universidade de Coimbra. O grupo analisou colmeias da
espécie Apis mellifera iberiensis.
Foram selecionadas duas áreas similares, de 25 quilômetros quadrados,
com alta densidade de plantações de eucalipto (Eucalyptus globulus)
e separadas 15 quilômetros uma da outra. No centro de cada uma foi instalado um
apiário com cinco colônias cada e, adicionalmente, uma colônia de observação,
ou “sentinela”.
Experimento
A aplicação de inseticida foi realizada no final de maio, com alta
infestação da principal praga da cultura, o gorgulho-do-eucalipto (Gonipterus platensis). Os pesquisadores verificaram
ainda que no período não havia uma grande disponibilidade de recursos, como
pólen e néctar, em toda a paisagem e principalmente no local da pulverização do
inseticida. Por isso, sabe-se que as abelhas não estavam saindo muito das
colmeias para coletar.
“Além
disso, as recomendações para uso do produto e as condições ambientais ideais
foram seguidas, como temperatura e velocidade do vento adequadas, além de
ausência de chuvas até 24 horas depois da aplicação”, diz Domingues, que
atualmente é pesquisador na Universidade de Maribor, na Eslovênia.
As
análises em busca de resíduos foram realizadas no primeiro dia após a aplicação
do agrotóxico e novamente 16 dias depois. Foram analisadas as próprias abelhas,
o mel e o pão de abelha, produto proveniente do processamento do pólen com mel
e secreções glandulares produzidas pelos insetos.
Na área
que não recebeu inseticida, não foram detectados resíduos de acetamiprida nas
colônias. E na outra, onde foi aplicado o produto, a maioria das amostras não
tinha quantidades detectáveis. As concentrações detectadas, por sua vez,
estavam 52 vezes abaixo dos chamados níveis subletais, aqueles que não causam
mortalidade imediata.
Além
dessas medições, os pesquisadores pesavam todos os quadros das colônias para
monitorar o desenvolvimento de adultos e crias ao longo do período de estudo.
Analisando fotos dos quadros de crias e recursos das colônias com uso de
inteligência artificial, um software identificava e classificava o conteúdo das
células nos favos, como larvas, ovos, pólen, néctar, mel e outros.
Bandejas
instaladas na frente de cada colônia eram utilizadas para calcular a
mortalidade durante o monitoramento, bem como para observar possíveis eventos
incomuns de mortalidade.
“Não houve
diferenças significativas entre as colônias nas duas áreas. Isso não quer dizer
que os resíduos de acetamiprida não chegaram até as abelhas, contudo, as
concentrações foram baixas e o risco foi considerado irrisório, baseado em
estudos já publicados. Com outros inseticidas, já foi registrada no Estado
de São Paulo a morte de colônias inteiras”, afirma Domingues.
Os pesquisadores
calcularam, ainda, o deslocamento das abelhas, por meio de uma metodologia que
indica a distância que percorreram analisando a dança que realizam no interior
da colmeia. Por esses cálculos, apenas uma pequena porcentagem (4%) das danças
decodificadas indicou que os insetos permaneceram forrageando num raio de
até 500 metros da colônia, onde o inseticida foi aplicado. A maioria (42,57%)
chegou a distâncias de 1.500 até 2.000 metros, fora do raio de ação do produto.
Como
ressalva, os pesquisadores explicam que esse é um caso específico e que para
cada cultura é preciso conhecer o ciclo de vida da praga para poder fazer o
gerenciamento da aplicação, assim como entender a distribuição espacial e
temporal dos recursos utilizados na paisagem. Dessa forma é possível reduzir o
risco de exposição das abelhas.
“No
Brasil, isso pode ser adaptado para as culturas mais importantes a um custo
mais acessível, usando ‘colmeias sentinelas’ equipadas com balanças
automáticas, por exemplo, e determinando as espécies vegetais mais relevantes
usadas pelas abelhas por meio de análises do pólen e do mel”, exemplifica
Domingues.
“O uso
desses métodos poderia ser potencializado com uma regulação mais forte dos
agrotóxicos usados no Brasil. Infelizmente, no ano passado houve a liberação de
uma enorme quantidade de produtos que podem ser prejudiciais às abelhas, quando
já existem outros menos tóxicos e de absorção mais rápida e mesmo produtos
biológicos”, lamenta o pesquisador.
O artigo Monitoring the effects of field exposure of
acetamiprid to honey bee colonies in Eucalyptus monoculture plantations pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969722041274.
André
Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/experimento-comprova-que-manejo-adequado-reduz-significativamente-a-exposicao-de-abelhas-a-inseticida/39896/
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