A cultura do ‘eu falo e você obedece’
não funciona mais. Colaborador quer ser ouvido e construir com o empresário, de
acordo com Olegário de Araújo, pesquisador do FGVcevFreepik
Dez entre dez especialistas em
varejo recomendam “foco no cliente” como a principal tática para o sucesso de
um negócio, antes da tomada de qualquer decisão.
Foi-se o tempo em que os
executivos davam sozinhos os caminhos das companhias. Este poder agora está nas
mãos dos consumidores, capazes de levar uma empresa ao topo ou ao fracasso.
Sem cliente, não tem negócio.
Mas tem outro público no mundo do varejo que precisa da mesma atenção, no
mínimo, para que uma empresa atinja os seus objetivos: os funcionários.
“Humanizar para prosperar: um
olhar humano para a gestão de pessoas no varejo”, texto elaborado a partir do
Fórum Varejo e Consumo, promovido pelo FGVcev - Centro de Excelência em Varejo
da FGV - EAESP, faz um alerta para a importância dos empregados nos negócios.
A alta rotatividade sempre foi
um dos principais desafios dos varejistas brasileiros, agravada pela pandemia
do novo coronavírus, de acordo com lojistas ouvidos pelo Diário do
Comércio.
Redes de lojas chegam a trocar
70% dos funcionários em um ano. Um terço das pessoas desistem do emprego após
três meses, de acordo com consultorias em recursos humanos.
Se um vendedor não consegue
permanecer mais de 12 meses em uma loja, o problema, muito provavelmente, pode
estar na condução da gestão de pessoas.
“A cultura do comando e
controle, eu mando e você cumpre, não funciona mais”, afirma Olegário Araújo,
pesquisador do FGVcev, um dos autores e coordenador do texto.
O colaborador, diz ele, quer
participar, ser ouvido, construir junto, pertencer à empresa.
Boa parte dos lojistas
brasileiros nasceu antes dos anos 60 e, outra parte, antes de 1980. “As
expectativas das gerações são diferentes. É uma questão de identidade”, afirma.
A comunicação, cita o texto da
FGVcev, precisa, mais do que nunca, ser uma via de mão dupla.
“Os colaboradores não se
engajam enquanto possuírem dúvidas, incertezas e inseguranças quanto às
necessidades de mudanças e aos resultados de seus esforços.”
O conteúdo para a elaboração do
texto foi tirado de exposições feitas por Marcelo Silva, conselheiro de
administração do Magazine Luiza, e por Minoru Kamachi, diretor da Soneda.
Também participaram Sandro
Benelli, consultor de varejo, e Francine Zanin Bagatini, mestre em
administração e estudante de doutorado em administração pela EAESP.
Para eles, ouvir os
colaboradores e observar o ambiente de loja são atitudes essenciais para
promover mudanças e aprimorar as estratégias de gestão.
“Gentileza no relacionamento
entre líderes e colaboradores gera gentileza no relacionamento entre
colaboradores e clientes.”
Mais alertas sobre gestão de
pessoas. “É necessário compartilhar o propósito da empresa, ser claro e
transparente sobre expectativas e orientações.”
A comunicação genuína, cita o
texto, estimula o diálogo e gera confiança, criando um ambiente de aconchego para
os colaboradores.
Veja alguns cases que vão na
linha da retenção de colaboradores e da menor rotatividade.
SONEDA
Antes de criar a Soneda Perfumaria,
em 2018, a família Kamachi, que era dona de algumas lojas da Sumirê, teve de
enfrentar um baita desafio ao decidir adquirir dez lojas da Perfumaria 2000.
Até então, parte da família
cuidava de lojas da Sumirê separadamente. Cada um dos cinco irmãos e três
primos tocava duas ou três unidades.
Minoru Kamachi, diretor da
Soneda, teve a ideia de juntar todas elas em uma só bandeira, nova, somando
também as dez unidades da Perfumaria 2000.
“Na época, houve uma crise de
identidade. As pessoas achavam que iam ser todas demitidas. Decidimos então
fazer uma carta de valores e reunir todo mundo para falar do momento”, diz.
A perfumaria reuniu cerca de
mil funcionários em evento - para lançamento da marca nova, quando também
criaram sua carta de valor - que durou o dia todo, no espaço Hakka, no bairro
da Liberdade, em São Paulo.
Normalmente, são os donos que
determinam os valores da empresa. A Soneda preferiu ouvir dos colaboradores
quais seriam os valores da empresa que estava nascendo.
Amor, aconchego, beleza,
confiança, fé e respeito acabaram se tornando o guia de valores da Soneda, a
partir deste dia de aproximação da família Kamachi com os colaboradores.
“Confiança era tudo o que eles
precisavam naquele momento de transformação da empresa”, afirma Minoru.
Do encontro também saiu um hino
da empresa e a decisão da rede de estimular a cultura de aprofundar a relação com
os funcionários, deixando de ter apenas um contato mercantil.
Na loja da Praça da Árvore, a
Soneda, palavra que significa, em japonês, plantação de arroz com raízes
profundas, criou este ano um espaço para treinamento dos funcionários.
“O nosso principal objetivo é
recrutar gente que gosta de gente, pois a parte técnica é mais fácil de lidar.
Servir é um dom. Tem gente que não gosta de se relacionar”, diz Minoru.
A conexão entre todos os
empregados também se faz por meio de reza, o Pai Nosso, que acontece
diariamente nas entradas dos turnos.
“É um ritual para
agradecimento, de fé, que é um dos valores da loja. Na empresa pode ter
divergência de ideias, mas não de valores.”
A consequência de todo este
engajamento, diz ele, é de uma rotatividade baixa, 20% menor do que a média de
mercado, da ordem de 4%, de acordo com algumas pesquisas.
Na Soneda, há funcionários com
até 20 anos de casa, vindos das antigas lojas.
OPAQUE
A humanização na relação com os
funcionários também faz parte do dia a dia da Opaque, rede de perfumaria com 14
lojas em shoppings.
Como vende produtos de alto
valor, pois os perfumes custam R$ 500, R$ 600, em média, os mais de 120 colaboradores
estão sempre em treinamento, com o apoio dos importadores.
“A função de vendedor em uma
loja de shopping exige muito, faz com que a pessoa abdique de outras coisas
para trabalhar”, afirma Sun Kim, sócio-proprietário da rede.
A loja, portanto, tem de
oferecer algo mais, de acordo com ele, para que o vendedor tenha ânimo, vontade
de trabalhar.
Para que as funcionárias se
sintam acolhidas, Sônia, esposa de Kim, costuma visitar todas as lojas para,
pessoalmente, esclarecer dúvidas, ouvir problemas, de suas colaboradoras.
“Quando a pessoa tem vocação,
tudo é uma questão de se adaptar à empresa” diz Kim.
Com cerca de 120 empregados, a
Opaque tem funcionários com até 20 anos de casa. Na média, o tempo de
contratação dos colaboradores gira em torno de três e quatro anos.
NOVOMUNDO.COM
Com 147 lojas, a rede
Novomundo.com, com sede em Goiânia (GO), que revolucionou o seu modelo de
negócio a partir de 2019, subsidia 80% dos estudos dos seus 2.600 empregados.
Há dois anos, a empresa mudou
layout de todas as lojas e passou a trabalhar com jovens com idade média de 21
anos, treinados para fazer todo o processo de venda pelo celular.
Os jovens funcionários recebem
um salário fixo, não são comissionados, mas podem fazer cursos, com uma
universidade parceira, subsidiados em até 80% do custo pela empresa.
“Antes tínhamos vendedor,
crediarista, caixa, empacotador, quatro pessoas para fazer uma jornada. Hoje,
um jovem no primeiro emprego faz tudo”, diz José Guimarães, CEO da rede.
A revolução feita na empresa,
que pertence à família Martins Ribeiro, de Goiânia (GO), aproximou a empresa
dos colaboradores e também de seus familiares.
A rede realiza eventos para
funcionários, filhos, pais e também coloca à disposição deles uma rede de
psicólogos. “A saúde mental é importantíssima dentro de uma companhia.”
Toda a mudança que ocorreu na
empresa foi para acompanhar as novas tendências de consumo e o fato de não ter
mais distinção entre a venda on-line e off-line.
“Somos verdadeiramente uma
varejista multicanal, o preço para quem compra na loja física e na virtual é o
mesmo. Entregamos em 24 horas 93% do que vendemos”, diz.
EFEITO ESG
Empresas que possuem uma agenda
ESG (Environmental, Social and Governance), governança ambiental, social e
corporativa, cita o texto da FGVcev, influenciam positivamente na atração de
pessoas que pertencem à geração Z, nascidas a partir de 1995 e até 2010.
Para o consultor Sandro
Benelli, o varejo deixou de ser uma opção de trabalho para quem não tem outra
opção. “O varejo faz carreira e desperta o interesse de novos profissionais.”
Sendo assim, questões
geracionais precisam ser compreendidas e inseridas nas discussões dos valores
que guiam as organizações.
Já que a nova geração de
profissionais é estimulada pelo propósito, pelo ideal de inclusão, pelo diálogo
aberto e pela possibilidade de oferecer contribuições para a sociedade, cita o
texto, os novos profissionais devem ser participantes ativos das transformações
das empresas.
“Times diversos são propulsores
da inovação”.
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/e-hora-do-empregado-nao-so-do-cliente-estar-no-centro-do-negocio
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