Às vezes sentimos medo; em certas situações sentimos um medo pânico. Em estado de grande medo entramos em Síndrome de Emergência de Cannon. O corpo adapta-se para fugir ou lutar. Aliás, isso, de fuga ou luta, na natureza, é análise de conveniência, não disposição moral.
Interessa
dizer que o corpo faz uma recomposição de emergência, digamos, por conta
própria, à revelia da consciência: pupilas se dilatam, o sangue se concentra
nos grandes músculos, o coração acelera, a ventas nasais se abrem, mais
glicose, mais velocidade de coagulação.
Já
viu o gato do desenho animado quando leva um susto e fica todo eriçado? Pois
ficamos igual, até nossos pelos se eriçam quando o estresse alcança essa
importância. O organismo concentra as energias disponíveis em processos que o
auxiliarão a ter uma resposta motora eficiente.
No
cérebro mais primitivo, o hipotálamo, componente do sistema límbico, que é o
controlador do sistema emocional, transmite um impulso que passa pelo tronco
encefálico e pela medula espinhal, provocando uma descarga simpática global,
desencadeando todos esses eventos.
Tudo
isso é programação genética. Acontece e pronto; a vontade não incide no
processo. Às vezes indago-me sobre o quanto guardamos dessas “condições
selvagens”. Quero dizer: quanto do nosso comportamento diário é comandado por
esses processos meramente bioquímicos?
Desconhecemos
o quanto estamos sob a condução do “piloto automático”, mas nos tempos de vida
na selva ele era a única garantia de sobrevivência. Em condições selvagens, quando
compúnhamos a cadeia alimentar, a consciência não tinha mais importância do que
o instintivo.
A
ciência mais voltada à natureza humana é a biologia evolutiva, seja, a Teoria
da Evolução, Charles Darwin. Mas há mais em nós que acontece sem que tenhamos
participação nas causas do acontecido. Você já ficou enrubescido\a? Vexou-se de
ficar vermelho\a, perder a ação?
Vergonhas
não elucidadas. Acanhamo-nos, às vezes, em situações que para as demais pessoas
é de plena normalidade. Algo em nós cuja origem não identificamos atua sem que
nossa consciência dê conta de controlar. Esse algo está no que Sigmund Freud
nomeia Inconsciente.
Inconsciente
em definição de dicionário: “sistema do aparelho psíquico constituído por
conteúdos recalcados, nos quais se desenrolam processos dinâmicos que
contribuem para determinar a vida consciente” (Houaiss). Note: é vida
inconsciente que controla a consciente.
Que
conteúdos costumamos recalcar? Aqueles que produzimos na contramão de valores
sociais relevantes, trazidos a nós por aparelhos ideológicos, como a família, a
escola, a religião, os meios de comunicação. São discursos de certo e de errado
que nos fornecem material moral.
Significo
moral: “cada um dos sistemas variáveis de leis e valores estudados pela ética,
caracterizados por organizarem a vida das múltiplas comunidades humanas,
diferenciando e definindo comportamentos proscritos, desaconselhados,
permitidos ou ideais” (Houaiss).
Não
suportamos contendas subjetivas com a moral dominante que nos foi discursada e
que nos formatou ideologicamente. Para Karl Marx, ideologia é a totalidade das
formas de consciência social que produz, legitima e reproduz o poder da classe
dominante. Restamos enredados.
Ideologias
são explicações dogmáticas do mundo que nos alcançam por meio de discursos
postos em circulação por quem tem poder. Conforme o rigor com que os
assimilamos, mais nos acabrunhamos quando temos desejos que os contrariem, na
vida íntima ou em situação pública.
Então,
será que estamos no controle? Não somos nossos donos; no máximo, somos gerentes
de um complexo de variáveis incidentes sobre um corpo. Gerenciamos ímpetos
genéticos, vida inconsciente que nos compulsa e ideologias que abonam nosso
lugar no mundo.
Muitas
coisas compõem o conjunto que somos: a vontade genética é imperativa; os
conteúdos recalcados são inibidores; os pressupostos ideológicos formam nosso
mapa valorativo mental. Jean-Paul Sartre acredita que apesar de tudo isso damos
conta disso tudo.
Sartre
crê que o indivíduo humano não se define pela sua natureza genética, que seria
meramente a biologia do animal que evoluiu; acredita que há em nós um “quarto
escuro” infantil, mas que não justifica nada; que se pode elucidar em face das
ideologias, tomando posição.
Sartre
afirma que responsabilizar a genética, o inconsciente ou as ideologias é má fé,
um escapismo. Pensa que estamos lançados no mundo como somos e, sofrendo e
inventando a História, temos que dar conta da nossa condição, fazendo escolhas
diante das adversidades.
Se pautados pela natureza, teríamos
essência, então, não faríamos História; os humanos variaram da condição
natural. Variados da natureza, existimos. Nos humanos, a existência (o correr
da vida) precede a essência (atributos padrão). Gerencie, pois, com saber e
arte, o existir.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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