Segundo a Federação das Associações de Doenças Raras Norte, Nordeste e Centro Oeste, maioria dos 13 milhões de brasileiros raros enfrenta incertezas sobre tratamento
O último dia de fevereiro é marcado como o Dia
Mundial das doenças raras. A data, que surgiu a partir de uma iniciativa
europeia em 2008, não foi escolhida à toa. Originalmente, 29 foi o dia eleito,
por ser raro e acontecer apenas em anos bissextos. Nos demais anos, a data é
lembrada no dia 28.
O objetivo é ampliar a conscientização da sociedade
sobre a existência dos mais de 7 mil tipos de doenças raras, que acometem até
65 pessoas a cada 100 mil indivíduos, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS). Só no Brasil, são 13 milhões de raros.
Segundo Mônica Aderaldo, presidente da Federação
das Associações de Doenças Raras do Norte, Nordeste e Centro-oeste (FEDRANN),
pessoas com alguma dessas condições enfrentam um verdadeiro desafio contra o
tempo, que começa nos obstáculos encontrados na jornada em busca do diagnóstico
precoce e preciso. “Para a maioria, a conclusão sobre a doença chega muito
tarde ou mesmo de forma equivocada”, explica.
Além das dificuldades físicas, biológicas e até
mentais inerentes às doenças raras, os pacientes constantemente ainda têm que
lidar com a falta de acesso ao arsenal terapêutico adequado para tratamento.
É o caso de Sarifa Santos, de 61 anos,
diagnosticada em 2018 com amiloidose hereditária associada à transtirretina
(hATTR), uma doença genética, rara e de rápida evolução. Se não tratada
adequadamente em cada estágio (I, II e III), causa o acúmulo de proteínas nos
tecidos dos órgãos, mudando a estrutura e o funcionamento deles, podendo levar
a pessoa ao óbito em até 10 anos, após o início dos sintomas1.
A jornada da moradora de Manaus (AM) em busca de
diagnóstico durou cerca de dois anos e custou consultas a diversos
especialistas, até ser encaminhada a um neurologista que chegou à conclusão
correta com base em exames genéticos. Não bastante, a paciente esperou por mais
um ano para ter acesso ao medicamento que trataria sua condição, que ainda
estava em estágio I. “Nesse intervalo sinto que a doença progrediu bastante.
Meu irmão também começou a apresentar sintomas e foi diagnosticado quase junto
comigo, mas de uma forma muito mais rápida, afinal eu já estava no processo, e
ele está melhor do que eu”, afirma.
A doença de Sarifa evoluiu rapidamente para o
estágio II. Mas a paciente continuou se tratando com a única medicação
disponível no Brasil, indicada apenas para o estágio mais inicial da hATTR. Tal
fator contribuiu para que ela chegasse ao estágio III, o mais avançado de
todos, que leva a paralisia das pernas. Já existem outros medicamentos,
tecnologicamente mais avançados, inclusive, para tratar a doença. Mas ainda não
foram disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A prova de que o tratamento adequado é fundamental
para garantir a qualidade de vida dos pacientes de doenças raras pode ser
observada na história de Iuri Caliman, de 25 anos, que tem distrofia muscular
de Duchenne (DMD). A doença genética é rara, degenerativa e tem como principal
sintoma a fraqueza muscular progressiva2.
“Aos 6 anos fui diagnosticado e tratado para a
doença errada e isso me causou alguns danos musculares, principalmente no
joelho. Porém, ao me consultar com outro especialista, tive a confirmação da
DMD e pude iniciar o tratamento correto. Sigo sabendo que é uma doença
progressiva que precisa de acompanhamento contínuo”, explica Caliman, que
trabalha como programador e vive em Aparecida de Goiânia, no estado de Goiás.
O tratamento adequado é fundamental para
desacelerar ou frear a progressão de doenças raras, amenizar sintomas e
garantir qualidade de vida aos pacientes, segundo Mônica. Ela explica que os
brasileiros raros têm o direito a ter acesso aos novos medicamentos, com mais rapidez.
“É preciso que haja mais parceria entre a sociedade, as associações de
pacientes, os congressistas e os órgãos públicos nos trâmites de aprovação,
precificação e incorporação. Garantindo mais celeridade neste processo, iremos
garantir qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares. Só assim é
possível minimizar os impactos das doenças raras para os pacientes que sofrem
com essas condições”, afirma. Para ela, quem tem uma doença rara não pode
perder tempo. “Todas são, geralmente, muito agressivas, progressivas e
debilitantes. Meses podem trazer danos irreversíveis. Merecemos vida plena”.
[1] PINTO, Marcus Vinicius et al. Brazilian Consensus
for Diagnosis, Management And Treatment Of Transthyretin Familial Amyloid
Polyneuropathy. Arquivos de Neuro-psiquiatria, [s.l.], v. 76, n. 9, p.609-621,
set. 2018. FapUNIFESP (SciELO). DOI.
Disponível em: link.
Acesso em: 21 ago. 2019.
[2] Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens
PR, Cripe L, et al. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy,
part 1: diagnosis, and pharmacological and psychosocial management. Lancet
Neurol. 2010 Jan 1;9(1):77--93.
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