Estamos
convivendo há mais de dois anos com o vírus da Covid-19, fato que tem marcado
profundamente a vida das pessoas e de suas famílias, quer seja pelas perdas dos
entes queridos, quer seja pelos efeitos necessários do isolamento social a que
precisamos ser submetidos. Efeitos esses revelados nas famílias através da
relativização do tempo, criando um efeito anárquico nos hábitos de acordar,
comer e dormir, bem como no afrouxamento das regras de convivência, estimulado
por um sistema de compensação que vem sendo utilizado como um mecanismo para
amenizar os efeitos gerados por este contexto pandêmico.
Desta
forma, o que se tem presenciado neste momento com mais de duas semanas de
retorno presencial às aulas, além da defasagem de conhecimentos que este
período acarretou, é que as crianças e adolescentes apresentam uma
hipersensibilidade às repreensões e uma dificuldade maior em aceitar que os
ambientes e o contexto escolar apresentam regras de boa convivência. Ao passear
pelos shoppings ou áreas de lazer, não é raro notar crianças que choram por não
aceitar as regras que seus pais impõem ou perceber que alguns pais têm aceitado
a malcriação de seus filhos, achando perfeitamente normal que suas crianças
desrespeitem um ambiente coletivo de convivência e que por si só apresenta
regras de boa convivência e de educação, como não falar alto, por exemplo. Já
no contexto escolar o que tem se visto são pais que criaram uma redoma em volta
dos filhos, que são tidos como perfeitos, pois “não mentem” e são
“hipersensíveis”. Percebe-se que os filhos parecem ser de cristal, por não
suportarem ser repreendidos e que os pais são de vidro, por não reconhecerem
seu lugar de autoridade diante da vida de seus filhos. Esses mesmos pais
desejam reprimir e inibir professores e educadores de cumprirem as suas funções
ao ter que chamar a atenção dos estudantes que perderam a noção do limite entre
o certo e o errado devido ao afrouxamento das regras a que foram submetidos em
seus lares, rejeitando a escola, por ser um ambiente em que há regras a serem
obedecidas.
Cabe
aos professores e educadores a leitura sábia deste contexto, continuando a
cumprir sua missão, sabendo que neste momento inicial encontrarão dificuldades
de aceitação, tanto por parte dos estudantes quanto por parte das famílias,
pois o que está sendo dito de forma simbólica por eles é: estamos rejeitando o conjunto
de regras imposto pela escola e por seus membros, queremos continuar
superprotegendo nossos filhos. Já aos pais, cabe-lhes a tarefa de respeitar a
autoridade que todo professor precisa ter no espaço da sua sala de aula e que
neste ambiente, a prerrogativa da condução do processo de ensino-aprendizagem e
a supervisão do contrato didático das regras é do professor, sendo que não cabe
à família neste momento impedir o processo de corte do “cordão umbilical” que
precisa ser feito para o avanço do crescente processo de desenvolvimento de
nossas crianças, transformando-as em seres mais autônomos, sabedores de seus
direitos, todavia cumpridores de seus deveres.
Para
cada direito que é evocado existe um ou mais deveres a serem cumpridos. A
reinvindicação dos direitos traz consigo a reflexão do exercício dos deveres. O
primeiro passo em direção ao desenvolvimento da autonomia de nossos filhos é
considerar que o outro (professor) enxerga características positivas e
negativas das crianças, que nós nem suspeitávamos que existissem, as qualidades
positivas precisam ser reconhecidas e as negativas precisam ser tratadas,
nenhuma repreensão é fácil de ser digerida, mas tem a função de nos fazer
crescer.
Diante disto, que nós, enquanto pais, não sejamos aqueles que impedem o crescimento de nossos filhos e, enquanto educadores, reconheçamos a importância da leitura sábia deste contexto e da missão de educar, o que implica em muitas situações na colocação de limites.
Gerson
Leite de Moraes - professor do Programa de Pós-Graduação em
Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Sara
Lautenschleger de Moraes - professora
da Rede Pública do Estado de São Paulo na Escola Estadual Rosina Frazatto dos
Santos em Campinas/SP.
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