Querem me convencer de
que nunca foi tão fácil tomar decisões! Bastaria dobrar os joelhos às
explicitações dadas em nome da Ciência. É como se a realidade subisse numa
barrica e exclamasse: "Não percam meu tempo nem queimem seus neurônios,
perguntem aos cientistas!". Em tempos de Covid-19, esse brado cruza
oceanos, percorre vales, sobe montanhas, desce rios, toma cafezinho na sala de
espera, pede vaga nos gabinetes. August Comte - quem diria? - renasceu na sala
de redação.
Tenho lido que, com o
avanço da pandemia, alguns casos graves obrigarão os médicos a fazer a escolha
de Sofia, ou seja, a optar por uma entre duas soluções dramáticas, descartando
idosos para preservar a vida dos mais jovens por falta de condições para
hospitalização e cuidados. A ciência estaria a recomendar o isolamento
horizontal como forma de diminuir a demanda sobre o sistema de saúde,
"achatando a curva", no ilustrado dizer dos peritos.
No entanto, Sofia fez há mais tempo suas escolhas. E note-se, escolhas festejadas por muitos que agora criticam a falta de imensos recursos desviados ou roubados. Refiro-me às obras supérfluas, como os vistosos coliseus da Copa do Mundo e à sangria a que a corrupção submeteu empresas estatais como a Petrobras; refiro-me ao custeio de privilégios e abusos e à aplicação de recursos públicos para financiar partidos e campanhas eleitorais. A cada ocasião dessas, Sofia fazia sua escolha de modo festivo e condenava muitos à morte nos corredores do SUS.
Onde estavam, nessas horas, os que agora fazem perguntas espertas em entrevistas coletivas?
Qual o objetivo das
medidas de segurança sanitária que vêm sendo adotadas no país? Respondo: evitar
a expansão da contaminação, "achatar a curva" para descongestionar o
atendimento, proteger a saúde de todos e preservar a vida de muitos. Ninguém
duvida de que o isolamento horizontal, completo, absoluto, dá um para-te quieto
no vírus. Que vá morrer de inanição, o desgraçado! É a escolha de muitas
autoridades locais e regionais, subitamente investidas de um poder tirano.
Alegando a proteção à vida e valendo-se do medo da população, obrigam todos a
fechar a porta e passar a tranca. Há cidades onde quem botar o nariz na rua vai
à força falar com o delegado.
Minha pouca ciência me
diz que esse tipo de isolamento, dito lockout, não é possível. Para as pessoas
ficarem em casa é indispensável que as regras de isolamento não valham para
todos. Minha pouca ciência me diz que, mantida a situação atual por uns poucos
meses, afundaremos
na mais profunda e extensa recessão da história. Causaremos o genocídio das
esperanças, dos postos de trabalho, dos famintos sem renda nem alimento que
estaremos produzindo aos milhões. Prevenir essa situação também é conduta
humana virtuosa.
A
receita do ex-ministro Mandetta - foco, disciplina e ciência - tem, na ciência,
um longo questionário de perguntas não respondidas. Ao dizer isso estou
valorizando ainda mais o precioso, louvável e heroico trabalho desenvolvido
pelos profissionais da Saúde, contando com as poucas armas que lhes são
disponibilizadas, inclusive pela ciência. Com efeito, ao buscarmos respostas
para perguntas essenciais sobre esse vírus, sobrevêm inquietantes incertezas.
Qual a sua letalidade? A quantos ele já infectou? Quem já foi infectado pode
voltar a padecer dele? Pode ele se tornar novamente ativo em uma mesma região?
Em caso de retorno do vírus, a estratégia de combate será sempre a mesma? E uma
perguntinha de fazer por telefone: dentre os medicamentos experimentados em
países com grande número de pacientes, quais e com que dosagem respondem pelo
maior número de bons resultados?
Tenho medo de que quando aparecerem com as respostas já seja tarde demais.
ercival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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