Cerca de 300 mil idosos moram sozinhos na cidade de São
Paulo e pouco mais de 8 mil dizem não ter a quem pedir ajuda caso necessitem.
Dados do Estudo SABE evidenciam vulnerabilidade dessa população em meio à atual
crise de saúde pública (foto: Pixabay)
Dos mais de 1,8 milhão de idosos da cidade de São Paulo, 290.771 (16%)
vivem sozinhos, sendo 22.680 deles com 90 anos ou mais. Também é motivo de
desassossego o número de idosos completamente solitários na capital paulista:
mais de 8 mil, por diferentes razões, não têm a quem pedir ajuda caso precisem.
Eles não contam com uma rede de suporte social ativa e eficiente.
Os dados sobre a vulnerabilidade dos idosos na cidade de São Paulo,
reunidos especialmente para a Agência FAPESP, fazem parte do Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE),
apoiado pela Fundação. O estudo sobre as condições de vida e saúde dos idosos
residentes no município de São Paulo acompanha 1.236 participantes, o que forma
uma amostra representativa de toda essa população na cidade e permite chegar
aos resultados apresentados.
“É preciso chamar a atenção para essa realidade, sobretudo neste momento
de pandemia. Estamos preocupados com os idosos que vivem em instituições [os
antigos asilos, hoje denominados Instituições de Longa Permanência para Idosos
– ILPIs] por sua alta vulnerabilidade e pelo grande risco de ocorrência de um
contágio em massa. Porém, no geral, a situação também não é muito boa,
principalmente se levarmos em conta o número de idosos que estão sozinhos em
casa em plena epidemia e sem ninguém para ajudá-los. Precisamos todos olhar
para essa realidade e planejar ações para esse período", diz Yeda Duarte, professora da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do estudo em parceria
com Jair Licio Ferreira Santos .
A condição de saúde dos idosos também é motivo de preocupação, sobretudo
pelo fato de eles apresentarem doenças consideradas de risco para a COVID-19, acrescenta
a pesquisadora. Entre os que moram sozinhos, 63,1% (183.477) têm duas ou mais
doenças crônicas simultâneas. Entre as doenças mais comuns, 67.9% (197.434
idosos) são hipertensos, 25,4% (73.856) têm diabetes, 22.9% (66.587) apresentam
alguma doença cardíaca e 9.3% (27.042) têm doença pulmonar crônica.
Além do alto índice de doenças crônicas, há outros fatores que preocupam
os especialistas:12,9% (37.510) dos idosos são frágeis e 52.2% (151.782) são
pré-frágeis – têm pouca resistência ou energia, perdem peso
involuntariamente e declaram sentir fraqueza, entre outros fatores de
risco.
De acordo com os dados do SABE, a maioria (75.1%) desses idosos que
vivem sozinhos na capital paulista estão em processo de fragilização, o
que os torna ainda mais vulneráveis nesse momento. Duarte ressalta que
idosos com síndrome da fragilidade devem ser priorizados pela atenção primária,
por serem mais suscetíveis a quedas, hospitalizações, incapacidades e óbito
precoce.
Para Duarte, a gravidade da epidemia do novo coronavírus põe em
evidência a realidade da falta de assistência ao idoso e a necessidade de
políticas públicas de apoio a essa população. “A epidemia é muito grave,
mas talvez ela possa trazer uma transformação necessária para a
sociedade, dando visibilidade a essas pessoas que nunca receberam a
atenção necessária. É preciso mostrar que esses idosos existem. Essas pessoas
continuam sozinhas em casa e precisam ainda mais de atenção agora, tanto da
sociedade quanto do poder público”, diz.
A pesquisadora ressalta a necessidade de medidas de apoio, visto que,
embora não devam sair de casa em virtude da epidemia, muitos deles não têm
celular ou não sabem utilizá-lo para providenciar, por exemplo,
comida e itens de primeira necessidade. “Na população idosa que reside sozinha,
mais de 80 mil (28,1%) não têm celular ou habilidade para manusear o
aparelho, por exemplo. Isso os obriga a sair à rua e descumprir a quarentena,
não por teimosia, mas por necessidade. Esses idosos sempre existiram,
porém as políticas públicas não deram conta de olhar para eles. Neste
momento, a própria pandemia os coloca em evidência”, diz.
Dessa forma, é importante que vizinhos, por exemplo, se disponham a
ajudar. “Esses movimentos de solidariedade que cresceram na cidade por causa da
COVID-19 precisam aumentar ainda mais. Ao saber que existem pessoas idosas
residindo sozinhas no prédio ou na vizinhança próxima, seria importante se
colocar à disposição para ajudá-las ou ser um contato delas com o mundo
exterior”, diz.
Entre os 1,8 milhão de idosos da cidade de São Paulo, além dos 16% que
residem sozinhos, há ainda 48% residindo em casas na companhia de
outros idosos – cônjuges ou outros parentes. “Esse grupo merece igualmente
atenção. Nas últimas décadas, a imagem que a sociedade tem do idoso mudou
muito. Eles são vistos, muitas vezes, como pessoas saudáveis que curtem a vida.
Embora alguns estejam nessas condições, não são todos, nem a maioria. É preciso
que a sociedade olhe para todos”, diz.
Um dado positivo apontado pelo estudo está no fato de que 84% dos
idosos terem sido vacinados contra gripe na capital paulista. Porém,
apenas 39% foram imunizados contra a pneumonia. “Isso mostra que a
diretriz deveria ser vacinar todos os idosos contra a pneumonia e não apenas os
considerados vulneráveis como tem ocorrido até agora”, diz.
Outro ponto importante levantado pela pesquisadora é a necessidade de
maior planejamento para auxiliar a população idosa mais vulnerável durante a
pandemia. “Não existe esse planejamento. Geralmente, o idoso vulnerável
vai se virando, fazendo o que dá. Porém, na situação atual, não há como
isso ser feito na prática. Tal fato pode passar a ideia equivocada de que
os idosos, agora, são um problema e eles não são”, diz.
De acordo com os dados do Estudo SABE, a maioria dos idosos mora com os
filhos. Entre os que não moram sozinhos, apenas 9,6% não residem com filhos. Do
total de idosos, 12% moram com crianças menores de 11 anos e 10,3% moram com
adolescentes (12 a 18 anos). “Os dados mostram que é preciso pensar também nas
medidas de isolamento social levando em consideração a realidade desse grupo de
risco para a doença. Não adianta liberar o jovem para trabalhar e a criança
para a escola sem considerar que eles podem, ao serem infectados pelo
coronavírus e muitas vezes não apresentarem sintomas da COVID-19, infectar
outras pessoas, incluindo os idosos dentro de casa”, diz.
Ainda de acordo com os dados do Estudo SABE, cerca de um quarto dos
idosos em São Paulo apresenta dificuldades para exercer atividades básicas da
vida diária, como, por exemplo, banhar-se, vestir-se, alimentar-se sozinhos e,
portanto, necessitam de um cuidador presencial. “Isso nos leva a pensar em uma
necessidade de maior planejamento antes de medidas mais duras, como o lockdown,
por exemplo”, diz.
Para Duarte, caso a epidemia se agrave e seja necessário que a cidade
entre em lockdown, será preciso lembrar da existência desses idosos e
providenciar uma relação dos que necessitam ajuda. “É preciso tomar iniciativas
antecipadas para que, se for preciso adotar medida mais duras de bloqueio,
existam maneiras de monitorar por telefone essas pessoas que precisam de
cuidado”, diz.
Genes protetores
O estudo multicêntrico teve início em 2000, quando, por iniciativa da
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), foram pesquisadas pessoas de 60 anos
ou mais de sete centros urbanos da América Latina e do Caribe, entre elas São
Paulo. Com apoio da FAPESP, o estudo foi reeditado em São Paulo em 2006 e 2010
e em 2015 teve sua quarta edição.
De acordo com Duarte, uma nova edição está programada para
acontecer em 2020. Por causa da epidemia do novo coronavírus, no entanto, os
pesquisadores vão iniciar, neste momento, um monitoramento telefônico para
identificar como os idosos estão encarando a quarentena e suas principais
necessidade e vulnerabilidades.
Os participantes que eventualmente contraírem a COVID-19 serão
também monitorados por integrantes do Centro de Pesquisa sobre o Genoma
Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL) da
Universidade de São Paulo (USP) – um Centro de Pesquisa, Inovação e
Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP e coordenado pela professora do
Instituto de Biociências da USP Mayana Zatz.
"Vamos observar qual será o desfecho caso alguém seja infectado
pelo novo coronavírus. Os idosos que conseguem lidar bem com a doença
certamente têm em seu genoma genes protetores e é isso que pretendemos
investigar”, conta Zatz.
A equipe do CEPID já completou, há alguns anos, o sequeciamento dos
genomas dos participantes do Estudo SABE. O trabalho foi feito no
âmbito do Projeto 80+, que estuda o DNA de idosos saudáveis com mais de 80 anos
para identificar características genéticas e ambientais que os fazem viver mais
e melhor.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/epidemia-de-coronavirus-exige-da-sociedade-maior-atencao-ao-idoso/32990/
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