Entra ano, sai ano e você está lendo um outro texto sobre “todo ano”. Sim,
repetimos os mesmos rituais. Rituais são importantes, mas quando engessam
nossos comportamentos comprometendo a saúde do planeta, merecem ser repensados.
Pense nas notícias que apontam o aumento das compras de Natal, enquanto as
redes sociais exibem discursos apaixonados pela ideia de sustentabilidade. Há
intenções bonitas por toda parte: consumir menos, reciclar mais, trocar
presentes artesanais. Mas, quando chega dezembro, o fluxo arrasta todo mundo
para o mesmo lugar; e quem planejou um Natal minimalista sai do shopping com
três sacolas e uma boa desculpa.
Se isso parece familiar, é porque é mesmo! O Natal é um terreno emocional
poderoso, em que a gente caminha entre presentes que funcionam como gestos
simbólicos importantes - e qualquer tentativa de reduzir consumo parece, no
fundo, uma declaração afetiva arriscada. “Se eu não der um presente, será que a
pessoa vai achar que não me importo?” A mente interpreta essa dúvida como ameaça
social e empurra a decisão para o lado que garante nosso pertencimento, não
nossa sustentabilidade.
Talvez seja por isso que muitas famílias até mencionam a ideia da troca
simbólica, mas na hora H alguém aparece com lembrancinhas extras “só para não ficar
chato”. É a velha lógica do comportamento automático, em que o esperado pela
tradição pesa mais do que aquilo que a pessoa acredita ser o ideal. E a
conveniência completa o ciclo. Quando a alternativa sustentável exige mais
esforço, tempo ou coordenação, a mente escolhe o caminho fácil. Afinal,
dezembro já é cheio demais!
Não é só isso. Existe o fenômeno da compensação emocional. A pessoa recicla
embalagens e, com isso, sente que ganhou “créditos” para consumir sem culpa. É
o famoso “eu fiz minha parte, agora mereço”. A consciência alivia, mas o padrão
permanece intocado. Ao mesmo tempo, cresce o mercado do “Natal sustentável”
vendendo novos objetos para diminuir o excesso de objetos. É um paradoxo quase
poético: compramos ferramentas para reduzir compras. Uma engenharia emocional
sofisticada, e bem pouco eficiente.
Influenciadores minimalistas ganham espaço, mas ainda disputam atenção com
campanhas natalinas que ativam nostalgia, pertencimento e emoção forte. A
mensagem implícita é que amor se mede em quantidade de caixas, e não em
qualidade das trocas (já sabemos disso também, mas afinal estamos revivendo o
ritual reflexivo do fim do ano). Existe saída? Certamente que sim, mas ela não
começa na prateleira. Começa na negociação afetiva. Sustentabilidade natalina
depende de redefinir simbolismos, conversar com a família sobre
combinações possíveis e estabelecer limites antes do gatilho emocional dos
últimos dias do ano. Presentes podem mudar de forma sem perder significado.
Quando todo mundo entender que o afeto não está no objeto – e sim na intenção e
na história que o acompanha -, a rigidez.
Sibele Aquino, Doutora em Psicologia Social pela PUC Rio,
Professora da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, Pesquisadora em Psicologia
do Consumidor e Comportamentos pró-ambientai
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