O Brasil deve registrar cerca de 17 mil novos casos de câncer de colo do
útero em 2025, segundo estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Diante desse cenário, ampliar o acesso à informação de qualidade é uma das
estratégias mais eficazes para fortalecer o rastreamento da doença e aumentar a
adesão ao exame de Papanicolau, principal ferramenta para identificar
alterações celulares antes que elas venham a evoluir para câncer. Mesmo podendo
causar desconforto, o exame segue como um aliado decisivo da saúde feminina e
da redução de mortes evitáveis.
O câncer de colo do útero é considerado um dos
tumores mais evitáveis da Oncologia. A principal razão é a existência de
métodos eficazes de prevenção e diagnóstico precoce, como a vacinação contra o
papilomavírus humano (HPV) e o rastreamento periódico até então, por meio do
Papanicolau. Ainda assim, a doença permanece entre as principais causas de
adoecimento e morte entre mulheres no país, evidenciando que o desafio não está
na ausência de recursos, mas na dificuldade de acesso, na desinformação e na
baixa adesão às estratégias preventivas.
O exame de Papanicolau é indicado para o rastreamento
do câncer de colo do útero e deve ser realizado regularmente por mulheres entre
25 e 65 anos. O procedimento consiste na coleta de células do colo do útero com
o auxílio de um espéculo, permitindo avaliar a saúde do colo uterino e
identificar alterações celulares ainda em estágios iniciais.
Apesar de simples e amplamente disponível no
Sistema Único de Saúde, o exame de rastreamento do câncer de colo de útero
ainda é cercado por receios. O desconforto durante a coleta, experiências
negativas em atendimentos anteriores e a falta de informação sobre a
importância do exame contribuem para o afastamento de muitas mulheres do
rastreamento regular. A cirurgiã oncológica Viviane Rezende de Oliveira,
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO),
explica que é fundamental reconhecer essas barreiras, mas sem minimizar o
impacto do exame. “Eu entendo que o exame ginecológico e a coleta podem ser
desafiadores e desconfortáveis, mas esse processo pode ser um divisor de águas
na vida íntima de uma paciente”, afirma.
Segundo a especialista, mesmo com a incorporação de
novas tecnologias, o “preventivo ginecológico” mantém seu papel central no
rastreamento. “Em 2025, o rastreamento de câncer de colo de útero não deixou de
ser uma prioridade", destaca. A partir dele, é possível identificar lesões
pré-cancerosas ou o câncer em estágios iniciais, tanto no colo do útero quanto
na vagina, o que amplia as possibilidades de tratamento com menor agressividade
e melhores resultados.
A importância do rastreamento está diretamente
ligada à principal causa do câncer de colo do útero, que é a infecção
persistente pelo HPV, vírus sexualmente transmissível e responsável por mais de
90% dos casos da doença. Embora algumas infecções a partir desses vírus
possam ser eliminadas espontaneamente pelo organismo, não é possível
prever, sem exames de rastreio e acompanhamento médico, quais casos irão
regredir e quais poderão evoluir. Em uma parcela das mulheres, a infecção
persiste de forma silenciosa, levando a alterações celulares progressivas que
podem se transformar em câncer ao longo dos anos. Por isso, o rastreamento
regular é fundamental, pois permite identificar lesões ainda em fases iniciais,
antes do desenvolvimento da doença.
Novas tecnologias de
rastreamento
Avanços recentes ampliaram ainda mais a capacidade
do rastreamento. A citologia em meio líquido, uma técnica mais eficiente do que
o Papanicolau, permite melhor preservação do material coletado e maior precisão
na análise das células. Além disso, possibilita identificar o tipo de HPV
presente na amostra. “A citologia em meio líquido é capaz de identificar qual
tipo de HPV a pessoa tem, inclusive se ele é de alto risco para o
desenvolvimento do câncer de colo do útero, ou então de baixo risco”, explica
Viviane Rezende.
Essa informação tem impacto direto na condução
clínica. “Todo o rastreio e todo o tratamento a ser indicado para a paciente
depende dessa informação”, afirma a cirurgiã. Ao identificar subtipos de alto
risco, é possível intensificar o acompanhamento e intervir precocemente,
evitando que a doença avance para estágios que exigem tratamentos mais
invasivos. “Assim, nós podemos rastrear a paciente de uma forma mais eficiente
e identificar as lesões de uma forma inicial, evitando tratamentos mais agressivos”,
completa.
A incorporação do exame molecular HPV-DNA ao SUS,
em 2025, reforça essa estratégia ao permitir identificar a presença do vírus de
alto risco antes mesmo do surgimento de lesões pré-cancerosas. Assim, haverá um
processo de transição das solicitações de Papanicolau para citologia em meio
líquido e pesquisa de genotipagem DNA-HPV como prática clínica.
Importante ressaltar que o exame ginecológico é
mais amplo que a coleta do preventivo e não há exame que os substitua.
Acesso desigual no país
Apesar desses avanços, o acesso ao rastreamento
ainda é desigual no Brasil. Regiões com menor infraestrutura de saúde e maiores
vulnerabilidades socioeconômicas, especialmente no Norte do país, concentram
taxas mais elevadas de incidência e de mortalidade. A dificuldade de acesso ao
Papanicolau, somada à baixa adesão à vacinação contra o HPV, contribui para
manter o câncer de colo do útero como um problema relevante de saúde pública.
“Estamos diante de um cenário em que é possível o combate e controle do câncer
de colo de útero, mas a equação, que parece simples, torna-se muito complexa”,
avalia Viviane Rezende.
A vacinação contra o HPV é outro pilar fundamental
dessa estratégia. Disponível gratuitamente no SUS desde 2014, ela é recomendada
para meninas e meninos entre 9 e 14 anos e apresenta eficácia próxima de 100%
quando administrada antes do contato com o vírus. Em 2024, o Ministério da
Saúde adotou o esquema de dose única, ampliando o potencial de adesão. Ainda
assim, a cobertura vacinal permanece abaixo do ideal para alcançar a meta da
Organização Mundial da Saúde de erradicar o câncer de colo do útero como
problema de saúde pública até 2030.
Mesmo com a vacinação, o rastreamento segue
indispensável. Mulheres vacinadas devem realizar o exame ginecológico regularmente
seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde , já que a imunização não cobre
todos os subtipos oncogênicos do HPV e não tem efeito terapêutico sobre
infecções já existentes.
Os benefícios do diagnóstico precoce são
expressivos. Dados do INCA indicam que as taxas de sobrevida em cinco anos
podem ultrapassar 90% quando a doença é identificada em estágios iniciais.
Nesses casos, a cirurgia associada ao acompanhamento adequado oferece altas
chances de cura, com menor impacto físico e emocional. Radioterapia e
quimioterapia também fazem parte do arsenal terapêutico, sempre indicadas de
forma individualizada.
O compromisso com a prevenção também se reflete
dentro da própria cirurgia oncológica. Atualmente, uma em cada quatro pessoas
associadas à Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica é mulher,
profissionais que, com seus exames em dia, reforçam, na prática, a importância
do cuidado preventivo e da realização regular do Papanicolau, atuando como
referência para pacientes e para a sociedade. Viviane Rezende conclui
reforçando que outros exames, que também podem ser desconfortáveis, são
essenciais para o rastreio de câncer, entre eles a mamografia, a colonoscopia e
o exame de toque, todos essenciais para o diagnóstico precoce e para o aumento
das chances de cura. “Se você ainda não fez, procure um especialista. A
informação é poder. Proteja-se, previna-se. Esse é um bem que você pode fazer à
sua saúde”.

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