Com mais de 1,1 milhão de casos de Aids desde 1980, Brasil ainda busca superar estigmas e fortalecer a conscientização para reduzir novas infecções
A campanha Dezembro Vermelho, dedicada à
conscientização sobre o HIV/Aids e outras ISTs, chega neste ano em um
cenário de estabilidade nos novos diagnósticos, mas alerta sobre a necessidade
de avançar na prevenção.
De acordo com o Boletim Epidemiológico HIV e Aids
2024, do Ministério da Saúde, o Brasil já contabilizou 1.165.599 casos de Aids
desde 1980, com média anual de 36 mil novos registros nos últimos cinco anos.
Para Paulo Antônio de Carvalho, infectologista do
Hospital Estadual de Franco da Rocha, gerenciado pelo CEJAM – Centro de Estudos
e Pesquisas “Dr. João Amorim”, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde
de São Paulo (SES-SP), a procura pelos serviços de testagem tem aumentado,
especialmente entre pessoas que passaram por situações recentes de risco, o que
representa um comportamento positivo. Ainda assim, ele avalia que esse
movimento precisa ganhar força para acelerar a detecção precoce “O Brasil teve
uma melhora significativa no acesso ao tratamento, mas a estabilidade nos novos
casos mostra que a prevenção primária precisa ser intensificada”, afirma.
O especialista ainda explica que parte das dúvidas
do público está relacionada à chamada janela imunológica, período entre a
infecção e a capacidade dos testes detectarem o vírus. Ele esclarece que os
exames de quarta geração, hoje os mais usados, permitem diagnóstico entre 15 e
30 dias após a exposição.
“Os autotestes têm uma janela maior, em torno de 90
dias, e isso precisa ser compreendido para que ninguém descarte uma infecção
antes do prazo adequado”. O médico destaca que os testes rápidos oferecem
precisão equivalente à dos exames laboratoriais, e que erros de interpretação
acontecem quando resultados não reagentes são obtidos dentro desse intervalo.
A busca por atendimento logo após uma exposição é
importante para avaliar o uso da PEP (profilaxia pós-exposição). “A PEP, que é
o uso de medicamentos antirretrovirais
logo após a exposição ao vírus, funciona melhor quando iniciada imediatamente,
e deve ser seguida por 28 dias. Iniciar depois de 72 horas reduz
significativamente a eficácia”, explica.
Já a PrEP (uso
de medicamentos antirretrovirais pré-exposição), utilizada de forma
contínua ou sob demanda, é descrita por ele como ferramenta fundamental para
populações de maior vulnerabilidade, desde que usada da forma correta. “Um dos
erros mais comuns é achar que a PrEP substitui a camisinha, mas essa
ideia é equivocada. Ela é eficaz contra o HIV, mas não previne
outras ISTs, que seguem exigindo proteção adicional.”
O infectologista comenta que, com os avanços no
tratamento, a queda da carga viral costuma ser rápida entre pacientes com boa
adesão, e a maioria atinge carga viral indetectável entre 90 e 180 dias.
“A adesão diária é o ponto-chave. Os medicamentos atuais são potentes e
seguros, mas precisam ser tomados corretamente.”
Ele lembra que, mantida
a indetectabilidade por pelo menos seis meses, a pessoa não transmite
o HIV por via sexual, conceito respaldado por estudos internacionais. “É um dado
que muda vidas e relacionamentos, porque reduz o estigma e evidência que é possível viver
com qualidade.”
Mesmo após atingir carga viral indetectável, o
acompanhamento ambulatorial deve continuar. O seguimento inclui exames
periódicos, avaliação de possíveis comorbidades e rastreamento de outras
infecções. “O tratamento do HIV não termina quando a carga viral zera. O
cuidado é contínuo”, afirma.
Para ele, a campanha do Dezembro Vermelho
tem papel importante ao ampliar informações sobre testagem, prevenção e
tratamento. “Com informação clara, acesso aos serviços e adesão, conseguimos
evitar casos novos e melhorar a vida de quem já vive com HIV.”
Porta de entrada para prevenção e acolhimento
A Atenção Primária segue sendo o primeiro contato
para pessoas que buscam orientação após uma exposição ao HIV ou apresentam
sintomas compatíveis com ISTs.
Em unidades básicas de saúde e prontos
atendimentos, os primeiros sinais aparecem em queixas variadas. A clínica geral
Juliana Almeida, que atua na UPA Campos dos Alemães, gerida pelo CEJAM em
parceria com a prefeitura de São José dos Campos, explica que a equipe
identifica sinais de HIV a partir de relatos de feridas, corrimentos, verrugas,
alterações urinárias e outros sintomas associados.
“Também chamam atenção a febre persistente,
linfonodos aumentados e quadros que lembram a síndrome retroviral aguda. Quando
isso vem depois de uma exposição recente, o alerta aumenta”, diz.
Segundo ela, o acolhimento inicial é decisivo para
que o paciente fale sobre suas práticas . “A
Atenção Primária trabalha com acolhimento e sem julgamentos, o que facilita
para que o paciente relate espontaneamente seus riscos”. Esse ambiente é o que
permite identificar casos que, de outra forma, poderiam não chegar aos serviços
especializados.
O fluxo clínico segue protocolos nacionais, com
oferta de teste rápido já na primeira visita, mesmo quando o usuário ainda está
dentro da janela imunológica. A especialista aponta que a conduta inclui o
monitoramento ao longo das semanas seguintes.
As ações educativas também fazem parte do cotidiano
da atenção primária, com distribuição de preservativos, conversas em salas de
espera e atividades em escolas. Dra. Juliana destaca a importância de discutir
o tema. “A comunicação é feita de forma acessível e livre de estigma, sempre
reforçando direitos e autonomia do usuário.”
Quando o resultado é positivo, o acolhimento
imediato é decisivo para evitar rupturas emocionais. “Fazemos escuta ativa e
explicamos de forma clara o diagnóstico e o tratamento. É um momento muito
sensível”, relata. Embora o paciente seja encaminhado ao centro
de referência, a Atenção Primária continua presente nos retornos e no
acompanhamento de rotina. “Falamos sobre adesão, carga viral indetectável e
prevenção combinada, sempre enfatizando que indetectável é igual a
intransmissível.”
Para alcançar populações vulneráveis, as unidades utilizam busca ativa, parcerias comunitárias e ações territorializadas. “As estratégias mais eficazes são as que chegam aonde a pessoa está, com orientação correta e sem estigma.”, conclui.
CEJAM - Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”
@cejamoficial
site da instituição

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