Thiago, paciente com epilepsia, com a família. Quando ele fez sua primeira cirurgia para implantação da tecnologia VNS, sua filha ainda nem havia nascido. (Foto: Acervo Pessoal)
Apesar de o Ministério da Saúde ter decidido incorporar a terapia VNS (terapia de estimulação elétrica do nervo vago) - um tipo de marca-passo cerebral para pacientes com epilepsia resistente a medicamentos e sem indicação para cirurgia ressectiva - no SUS há quase quatro anos, em setembro de 2018, o produto ainda não se encontra disponível no sistema público de saúde. “É triste ver essa situação. Pacientes que têm que lutar na justiça por uma terapia que já deveria estar no SUS há quase quatro anos”, afirma Maria Alice Mello Susemihl, presidente da ABE, Associação Brasileira de Epilepsia, uma organização sem fins lucrativos que busca promover a melhora da qualidade de vida das pessoas com epilepsia. "Estamos há anos dialogando com o Ministério da Saúde para resolvermos esse imbróglio. Enviamos recentemente uma carta à SAES, pois vemos que a não incorporação da terapia ofende todos os profissionais que trabalharam analisando a necessidade da incorporação, os médicos e todas as pessoas que participaram da consulta pública, bem como o direito à saúde de todos os brasileiros", ela completa.
Para Thiago Santos, 34
anos, morador da cidade de Bauru (SP), que sofre de epilepsia há 26 anos, a
tristeza vem em dose dupla. "Ainda estou pagando as parcelas da dívida
para a implantação da terapia VNS, que deveria ter sido coberta pelo SUS, e
agora tenho mais um procedimento pela frente. Não tenho mais como pagar",
ele afirma. Em 2019, Thiago, que sofria com mais de 10 crises epilépticas
diárias, ganhou notoriedade ao fazer uma vaquinha pela Internet para conseguir
pagar parte de sua cirurgia. "Sofro de epilepsia de difícil controle desde
criança. Nunca houve uma combinação de medicamentos que solucionasse as
minhas crises, procurei vários médicos na região, e nunca tive sucesso
até implantar o VNS". Desde que fez a cirurgia, suas crises foram
diminuindo a cada dia, dando-lhe confiança e qualidade de vida. Porém, logo
necessitará de um novo implante, pois a bateria de seu aparelho precisa ser
trocada devido ao uso frequente. "Fico indignado sabendo que o SUS deveria
arcar não apenas com essa cirurgia, mas também com a anterior", ele diz.
Para garantir a
disponibilização das tecnologias incorporadas no SUS, é estipulado um prazo de
180 dias para a efetivação de sua oferta à população brasileira a partir da
publicação da decisão no Diário Oficial da União (DOU). No caso da terapia VNS,
a publicação no DOU ocorreu em 12 de setembro de 2018. “Os 180 dias venceram
dia 12 de março de 2019, há mais de dois anos e milhares de pacientes com epilepsia
resistentes a medicamentos continuam sofrendo convulsões e hospitalizações
desnecessárias", afirma Maria Alice. Em uma troca de emails questionando o
Ministério da Saúde pela demora na disponibilização da terapia VNS, recebeu a
resposta de que o Ministério está trabalhando no processo de atualização do
PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Epilepsia) para a inclusão
da terapia. “Este prazo de seis meses após a publicação no DOU existe
exatamente para isso, para que o SUS possa se preparar para esta incorporação.
Todo o processo de aprovação foi seguido à risca, com consulta pública,
avaliação custo benefício e tudo. Para que serve este processo de aprovação, se
após a aprovação não há incorporação? Se o Ministério da Saúde não segue suas
próprias determinações, os pacientes devem recorrer a quem?”, questiona
Maria Alice.
A Epilepsia
A epilepsia é uma condição
neurológica que afeta aproximadamente 1% da população. De acordo com a OMS,
aproximadamente 50 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de epilepsia, o
que posiciona a epilepsia como uma das doenças neurológicas crônicas mais
comuns no planeta. No Brasil, estimativas variam de 2 a 3 milhões de pessoas.
Ela ocorre quando o cérebro não funciona corretamente e os neurônios produzem
uma atividade excessiva e anormal, causando as crises.
O tratamento da Epilepsia
é feito com uso de medicamentos, e em alguns casos são necessárias outras
opções, como a cirurgia ressectiva, neuromodulação (terapia VNS) e dieta
cetogênica. Com o tratamento medicamentoso correto, aproximadamente 70% das
pessoas têm as suas crises completamente controladas. A cirurgia quando bem
indicada é possível, consiste na retirada da região cerebral responsável
pelas crises, desde que não leve a consequências ao paciente. No entanto,
grande parte dos pacientes que não respondem aos medicamentos também não são
candidatos à cirurgia ressectiva. “Pessoas com epilepsia refratária resistentes
ao tratamento têm grande impacto em suas vidas, seja na escola, trabalho,
convívio social. Também apresentam maior risco de traumas, queimaduras,
necessitam de tratamentos médicos frequentes, exames e até avaliações de
emergência no pronto-socorro. Por fim, também apresentam maior risco de morte,
não apenas pelas lesões que podem sofrer mas também devido a crises prolongadas,
estado de mal epiléptico e morte súbita”, explica o Dr. Lécio Figueira,
neurologista do Hospital das Clínicas de São Paulo e vice-presidente da
ABE. Para muitos destes casos, a neuromodulação seria uma opção.
“A neuromodulação através
do implante de estimulador do nervo vago (terapia VNS) é um tratamento aprovado
há muito tempo. Nos Estados Unidos isso aconteceu em 1997 e no Brasil em 2000.
Trata-se de uma opção segura e eficaz, que leva à redução na frequência e
intensidade das crises, além de outros ganhos, como melhora na recuperação após
crise e até mesmo no humor e comportamento. A melhora acontece de forma gradual
após início da estimulação”, afirma Dr. Lécio. “Aguardamos há algum tempo a
disponibilização desta alternativa no SUS, porque, para muitos dos nossos
pacientes, outras alternativas já foram esgotadas, e essa terapia poderá
melhorar sua qualidade de vida".
Informações Adicionais:
Terapia VNS - Como
funciona:
A Terapia VNS usa um
gerador, um pequeno aparelho médico como um marca-passo, que através de um
condutor envia impulsos elétricos ao eletrodo ligado ao nervo vago esquerdo
situado no pescoço, que por sua vez envia impulsos para o cérebro, ajudando a
prevenir as alterações elétricas que causam as crises. O nervo vago é um grande
elo de comunicação entre o corpo e o cérebro, responsável por enviar impulsos
às partes do cérebro.
Procedimento de implante
da Terapia VNS:
• O procedimento da
Terapia VNS não envolve cirurgia cerebral.
• A cirurgia é
geralmente realizada sob anestesia geral, o que pode requerer uma curta estadia
no hospital.
• Através de um
pequeno corte o gerador de pulso é implantado sob a pele abaixo da clavícula
esquerda ou próximo da axila esquerda.
• Um segundo pequeno
corte é feito no pescoço para fixar dois pequenos eletrodos ao nervo vago
esquerdo. Os eletrodos são ligados ao gerador por um condutor que fica embaixo
da pele.
• Após a cirurgia,
além das duas pequenas cicatrizes devido às incisões, quase não se pode notar o
gerador que apresenta apenas uma leve elevação na pele do peito onde foi
implantado.
Além
dos estímulos programados que o aparelho realiza, é fornecido um ímã aos
pacientes, o qual permite aos pacientes ou cuidadores realizarem ativação do
aparelho no momento que percebem o início de uma crise. Por meio da estimulação
adicional realizada é possível parar ou diminuir a gravidade das crises
epilépticas. A estimulação na hora da crise é um benefício adicional da terapia
de estimulação do nervo vago, com objetivo de dar mais qualidade de vida aos
pacientes e suas famílias.
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