A devastação imposta pelo vírus trouxe de volta cogitações filosóficas, teológicas e científicas. Entra em pauta a existência de Deus, muito embora não se creia em evento como passagens bíblicas de punições divinas. De qualquer modo, cabe a cogitação de uma força superior determinante e ainda não descrita pelo estágio atual da física e das cogitações da filosofia.
Não se trata de propor um
Deus enquanto figura ontológica, segundo a imaginação do monge beneditino
Anselmo de Cantuária, do século XI. Lançou-se apenas a suposição de que,
por essência e natureza, sua existência não poderia ser contestada. Mais o argumento
da autoridade, do que a autoridade do argumento.
Do mesmo modo que o
argumento ontológico, a tese de São Tomás de Aquino recebeu oposição, sob o
argumento da possibilidade de uma cadeia causal que remonte ao infinito. De
todo modo, impressiona a razão da causa primeira, sob o ponto de vista do
encadeamento.
Ainda mais maravilhados
ficaram os crentes da divindade ante os fundamentos cosmológicos. A
existência de Deus deriva da sensação de que o universo manifesta certa ordem,
inexplicável sem a pressuposição de um magnífico relojoeiro. Não existiria
nosso mundo sem essa ordem rigorosa, desígnio ou proposta. As raízes buscam
água, as folhas se abrem com a luz; "O belo sistema que abrange o Sol, os
planetas e os cometas só pode existir por desígnio de um Ser inteligente e
poderoso" (Isaac Newton). A emergência da vida humana somente se deu
graças à "perfeita sintonia" entre as leis que governam o universo.
Se fosse mais forte a força da gravidade, as estrelas teriam exaurido seu
estoque de hidrogênio e provavelmente a vida humana não teria tempo de evoluir.
De outro lado, se a força que agrega os átomos fosse minimamente maior, a água
necessária à vida poderia não ter-se formado. Enfim, como disse Jung, nossa
existência é um milagre.
Em contraposição, o evolucionismo
no contexto da antropologia biológica expõe o caminhar desde os primatas até a
humanidade de nosso século e dos vindouros, em suas diversas etapas e espécimes
raciais, forte na seleção natural de Darwin e doutrinas correlacionadas que
animaram a ciência moderna. Suas águas, contudo, são também represadas, por
exemplo, no dique de que não há nenhuma homogeneidade entre as criaturas, o que
seria esperável por coincidências biológicas num plano macro e quiçá infinito
na evolução segundo idênticos procedimentos metodológicos; não há seres humanos
absolutamente iguais, ainda que se considerando os gêmeos univitelinos.
Destarte a evolução não explica o nascimento, o crescimento e a existência de
toda a humanidade; e sobretudo no plano espiritual, que também torna magnífico
nosso universo e impõe o respeito às ideias plúrimas e às liberdades pessoais e
públicas. A ideia de um grande articulador, nesse plano, é irremissível.
Sabe-se que a filosofia
encontrou respiradouro no pragmatismo, segundo o qual é verdadeiro o fato que
nos conduz à utilidade e ao bem estar entre todos os componentes da sociedade
animal. O cardeal Newman (1801-90) fundamentou a existência de um ser superior
na imperiosidade da moralidade humana; suas virtudes são suficientes para nos fazer
crentes e abolir a mínima manifestação de ódio entre os viventes. Não há
dúvidas quanto ao bem ínsito ao pragmatismo religioso, ao sacrifício da verdade
a uma fé benemérita.
O ataque indistinto a todos
os seres da Terra por um organismo invisível e que para muitos é o nada
(dando-se de barato que o nada possa ser) voltou a despertar no homem sua
amizade à sabedoria. Até porque talvez não tenhamos respostas a essas questões
magnas, que, todavia, virão no futuro. O estádio da ciência e da filosofia em que
nos encontramos é que se revela insuficiente às respostas cuja insuficiência
nos incomoda reiteradamente. Daí o sentido da dialética ou da contradição tão
bem enunciado por Hegel, não obstante sua derivação para o idealismo: a dupla
face de todos os fatos, a tese e a antítese, fenômeno que nos levará à clareza
das tão valiosas sínteses.
Amadeu
Garrido de Paula - poeta e ensaista literário, é advogado,
atuando há mais de 40 anos em defesa de causas relacionadas à Justiça do
Trabalho e ao Direito Constitucional, Empresarial e Sindical. Fundador do
Escritório Garrido de Paula Advocacia e autor dos livros: "Universo
Invisível" e "Poesia & Prosa sob a Tempestade" e do blog:
Ambos à venda na Livraria Cultura e também um dos ganhadores do "Concurso
Nacional de Novos Poetas de 2020" e do "Concurso Sarau Brasil
2020", ambos da editora Vivara.
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