Em sistemas planetários formados por
estrelas semelhantes ao Sol, mas que apresentam processos dinâmicos severos que
causam reconfigurações em sua arquitetura, alguns planetas podem ter sido
“devorados” pela estrela hospedeira.
Uma equipe internacional de
astrônomos – liderada por Lorenzo Spina, do Istituto Nazionale di Astrofisica
(INAF), de Pádua, Itália, e incluindo Jorge Meléndez,
do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade
de São Paulo (IAG-USP) – estudou a composição química de estrelas de tipo solar
em mais de cem sistemas binários, a fim de identificar assinaturas de planetas
eventualmente “engolidos”. Artigo a respeito foi publicado hoje
(30/08) na revista Nature Astronomy.
“Em um sistema binário, as duas
estrelas são formadas a partir do mesmo material e, portanto, deveriam ser
quimicamente idênticas. No entanto, quando um planeta cai em uma estrela, ele é
dissolvido na região mais externa do interior estelar, chamada de zona
convectiva, e pode modificar a composição dessa região, aumentando o conteúdo
de elementos químicos, ditos ‘refratários’, que são abundantes em planetas
rochosos. Nas estrelas cujas assinaturas indicam o engolfamento de planetas são
observadas quantidades maiores de lítio e de ferro em relação à sua estrela
companheira gêmea do sistema binário”, diz Meléndez à Agência FAPESP.
Segundo o
pesquisador, o lítio é destruído no interior das estrelas, mas preservado no
material que compõe os planetas. Portanto, uma abundância anormalmente alta
desse elemento químico em uma estrela pode indicar que o material planetário
foi engolido por ela.
O estudo
baseou-se em observações de 31 pares binários, portanto, de 62 estrelas,
obtidas com o espectrógrafo HARPS no telescópio de 3,6 metros do Observatório
de La Silla, operado pelo European Southern Observatory (ESO). Os dados
levantados no local foram complementados com resultados anteriores, já
consignados na literatura especializada.
O
Observatório de La Silla localiza-se no deserto do Atacama, nos Andes chilenos,
em uma região extremamente seca, solitária e distante da poluição luminosa, que
apresenta um dos céus noturnos mais escuros da Terra.
“Esta foi
a maior amostra já estudada de estrelas similares em sistemas binários e os
resultados mostraram que pelo menos um quarto das estrelas de tipo solar
‘devora’ seus próprios planetas. A descoberta sugere que uma fração
significativa dos sistemas planetários teve um passado muito dinâmico – ao
contrário do nosso Sistema Solar, que preservou uma arquitetura ordenada”,
afirma Meléndez.
De acordo
com o coordenador do estudo, Lorenzo Spina, “a busca por planetas semelhantes à
Terra é como procurar uma ‘agulha no palheiro’. Contudo, esse resultado abre a
possibilidade de usar abundâncias de certos elementos químicos para identificar
estrelas com composição similar à do Sol”. Estrelas deficientes em elementos
ditos refratários apresentam maior probabilidade de hospedar estruturas análogas
à de nosso Sistema Solar.
Um sistema
binário bastante estudado é 16 Cygni, situado a uma distância de
aproximadamente 69 anos-luz da Terra. O sistema é formado por duas estrelas
anãs amarelas parecidas com o Sol, 16 Cygni A e 16 Cygni B. E talvez englobe
também uma estrela anã vermelha. Estima-se que 16 Cygni A e 16 Cygni B estejam
separadas por uma distância de 860 UA [sendo UA, a unidade astronômica,
definida pela distância entre a Terra e o Sol]. Para efeito de comparação, a
distância entre o Sol e a chamada Heliopausa, que constitui a fronteira mais
distante do Sistema Solar, é estimada entre 110 e 160 UA. Apesar da enorme
distância que separa as duas estrelas gêmeas, a órbita fortemente excêntrica de
um planeta maior do que Júpiter que orbita a estrela 16 Cygni B talvez se deva
à perturbação gravitacional produzida pela estrela 16 Cygni A.
“É
interessante notar que a componente 16 Cygni A, que não tem nenhum planeta
detectado, é sobreabundante em elementos refratários, o que sugere que talvez
essa estrela já tenha engolido planetas”, comenta Meléndez.
A pesquisa teve apoio da FAPESP, por
meio de projeto Temático “Espectroscopia de alta precisão:
das primeiras estrelas aos planetas”, coordenado por
Meléndez.
O artigo Chemical evidence for planetary ingestion in a quarter of Sun-like
stars pode ser acessado em: www.nature.com/articles/s41550-021-01451-8.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pelo-menos-um-quarto-das-estrelas-semelhantes-ao-sol-canibaliza-planetas-que-as-orbitam-indica-estudo/36711/
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