A crise econômica de 2008, que obrigou os Estados a intervir no mercado para evitar um problema sistêmico, abalou a crença na auto regulação do mercado. Nos dois últimos anos, a pandemia causada pela Covid19 provou que a ação do Estado continua sendo indispensável no enfrentamento de uma crise, apesar da escola econômica dominante nos últimos quarenta anos pregar exatamente o contrário, obrigando a maioria dos países a repensar sua gestão econômica.
Boa parte dos países ocidentais desenvolvidos
passou a reavaliar o papel do Estado na formulação de políticas públicas de
desenvolvimento, na coordenação dos esforços do setor privado e no
direcionamento do desenvolvimento no sentido de uma economia mais
sustentável e mais autossuficiente, tanto em produção, como em capacitação
tecnológica. A carência de produtos essenciais para enfrentar a pandemia e a
excessiva dependência de importações assustou os governantes e mudou o
pensamento dos governos.
A Alemanha, através de seu ministro da economia,
Peter Altmaier, foi a primeira, entre as potências ocidentais, a reconhecer,
explicitamente, que uma indústria forte, diversificada e complexa é condição
essencial à manutenção do bem estar de sua sociedade e que a manutenção de uma
indústria forte e competitiva passava pelo apoio do Estado alemão, inclusive
para enfrentar o desafio do programa “Made in China 2025”, adotado pelo governo
chinês. Os americanos ainda acreditavam, na época, que seria possível limitar o
crescimento da China através de sanções econômicas.
A falta de resultados da tentativa do Trump de
conter o desenvolvimento chinês, e a eleição do Biden à presidência dos
Estados Unidos, alteraram a relação de forças entre os defensores do mercado e
os de um papel mais ativo do Estado. A declaração de Biden, de que foram os
trabalhadores que construíram os EUA e não o pessoal de Wall Street, é
sintomática da nova relação de forças. O resultado, no mundo todo, foi uma
mudança mais ou menos explicita a favor de políticas públicas de
desenvolvimento para apoiar e direcionar o crescimento para uma economia mais
verde e menos desigual.
Não se trata de voltar ao centralismo econômico
mesmo porque todos continuam reconhecendo os méritos do mercado. Trata se de
reconhecer que o Estado tem um papel importante a cumprir no desenvolvimento
dos países. Assim, após 70 anos nos quais se acreditou que o Estado podia
resolver tudo, e mais 40 anos em que a crença no mercado autossuficiente foi
hegemónica, parece que o meio termo passa a ser o modelo vencedor.
Este difícil equilíbrio entre Estado e mercado é um
desafio considerável, visto que não há um modelo consensual que defina os
limites da atuação de um ou de outro. É nesta difícil arte de administrar as
virtudes e os defeitos de ambos os atores, e de tirar o melhor de cada um, que
parece residir a chave do sucesso do desenvolvimento econômico. De qualquer
modo, parece indiscutível que o papel do Estado como regulador, indutor e
direcionador do crescimento econômico e, simultaneamente, provedor do apoio
necessário à capacitação tecnológica, ao P&D e inovação é
insubstituível.
Neste cenário de mudanças econômicas e
geopolíticas, o Brasil não está participando como ator, ainda que coadjuvante,
e está se limitando ao papel de mero espectador.
Isto num país com mais de um terço de sua mão de
obra desempregada ou sub ocupada, que não cresce e não gera empregos
suficientes, onde os investimentos em infraestrutura não são suficientes sequer
para repor a depreciação dos ativos e onde a fome e a miséria absoluta crescem
acentuadamente. Os setores, extrativo mineral e agropecuário vão bem,
puxados pelo mercado externo, mas, sozinhos, não são capazes de garantir nem o
crescimento nem muito menos os empregos necessários para melhorar as condições
sociais e reduzir as desigualdades.
Se como dizem os alemães, hoje secundados por
outros países, que a continuidade do bem estar de sua sociedade depende da
existência de uma indústria competitiva, diversificada e sofisticada, então o
Brasil tem sérios problemas pela frente. A indústria de transformação
brasileira que já foi a locomotiva do crescimento brasileiro com seus 25% do
PIB, no fim dos anos 70, está reduzida a pouco mais de 10% do PIB com uma
estrutura produtiva muito menos sofisticada do que na década de 70, tendo
concentrado suas perdas, principalmente, nos setores de média e alta
tecnologia. No entanto, os números do desempenho do primeiro semestre do ano
indicam uma franca recuperação, o que nos coloca em posição de
expectativas positivas.
Fortalecer nossa indústria através de maior
capacitação tecnológica, na direção de uma economia mais verde não é papel que
possa ser desempenhado pelo mercado isoladamente. O apoio do Estado, através de
políticas públicas de desenvolvimento e do suporte continuado à formação de
recursos humanos e à pesquisa básica e aplicada é indispensável para que esta
nova indústria possa cumprir seu papel de gerar empregos de qualidade, de
melhorar a produtividade sua e dos demais setores e de levar o país de volta ao
crescimento sustentado.
João Carlos Marchesan - administrador de empresas,
empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ
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