Estudo apoiado pela FAPESP investiga possível
atividade inibidora dos estrogênios na evolução da COVID-19. Objetivo é chegar
a fármacos com potencial terapêutico (imagem: modelo do 17β-estradiol /
Wikipedia Media Commons)
Não há um claro predomínio de homens ou mulheres nos indivíduos
diagnosticados globalmente com COVID-19. No entanto, a maioria dos que são
hospitalizados ou vão a óbito, ou seja, que desenvolvem a doença de forma mais
grave, é constituída por homens. Segundo a organização Global Health 50/50, mantida pelo University
College London (Reino Unido), “na maioria dos países, os dados disponíveis
indicam que os homens têm 50% mais chances de morrer após o diagnóstico do que
as mulheres”.
Tal afirmação é corroborada por estatísticas atualizadas da cidade de Nova
York (Estados Unidos). E por estudo realizado na
China, de acordo com o qual: “o sexo masculino é um fator de risco para pior
resultado em pacientes com COVID-19, independentemente de idade e
suscetibilidade”.
Com base nessa constatação epidemiológica, bem como em dados da
literatura, uma grande equipe multidisciplinar de pesquisadores do Estado de
São Paulo está investigando o papel dos estrogênios, os hormônios femininos, na
proteção fisiológica contra o coronavírus.
O projeto “Avaliação de compostos com potencial
terapêutico para SARS-CoV-2: enfoque em compostos com atividade estrogênica,
moduladores da autofagia e ECA2”, coordenado por Rodrigo Portes Ureshino,
professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tem o apoio da FAPESP
no âmbito do edital Suplementos de Rápida Implementação contra COVID-19.
“Estudos anteriores, realizados com o coronavírus SARS-CoV [causador da
síndrome respiratória aguda grave], apontaram diferenças de gênero na infecção
e progressão da doença, com maior suscetibilidade de indivíduos do sexo
masculino, e indicaram que os estrogênios podiam estar associados à maior
proteção fisiológica das mulheres. Queremos testar se o mesmo ocorre com o
SARS-CoV-2, o novo coronavírus, para chegar a compostos com potencial
terapêutico”, diz Ureshino à Agência FAPESP.
A equipe já ultrapassou a etapa de revisão da literatura e entrou na
fase experimental propriamente dita. “Infectamos linhagens de células com cepas
selvagens de coronavírus e vamos testar nesse modelo mais de 40 compostos
com atividade estrogênica para observar os resultados”, conta o pesquisador.
Os procedimentos com o SARS-CoV-2 são realizados em um laboratório de
nível de biossegurança 3 (NB3) da Unifesp, coordenado pelo professor Mário Janini,
colaborador do projeto.
Entre os compostos a serem testados, Ureshino destaca o 17β-estradiol (o
estrógeno mais abundante no organismo), o tamoxifeno (um modulador seletivo dos
receptores estrogênicos) e a agenisteína (um fitoestrógeno). Todos os três já
foram utilizados com êxito em modelos de outras doenças virais.
Além do foco estritamente terapêutico, com o teste de compostos com
potencial para o tratamento da COVID-19, o projeto também tem um enfoque
molecular. Neste caso, o objetivo é investigar a expressão do receptor ACE-2
(enzima conversora de angiotensina 2, na sigla em inglês), que possibilita
a entrada do vírus nas células. “Sabemos que os pacientes hipertensos, grupo de
risco para a COVID-19, apresentam uma maior expressão de ACE-2 e isso favorece
a entrada do vírus nas células. Por isso, estamos estudando a
superexpressão desse receptor em diferentes tipos celulares”, afirma o
pesquisador.
Nesse eixo, um artigo em fase de pré-print foi produzido pelo
grupo, tendo como primeira autora a doutora Roberta Sessa Stilhano,
professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa (FCMSCSP): "SARS-CoV-2 and the Possible Connection to ERs, ACE2 and
RAGE: Focus onSusceptibility Factors".
O trabalho contou com a colaboração da professora Carla Máximo Prado, da
Unifesp, que estuda o processo inflamatório pulmonar, além de pesquisadores de
instituições internacionais, como a University of California – Davis (Estados
Unidos) e a University of Cambridge (Reino Unido).
“Esse artigo buscou correlacionar três fatores: ACE-2, receptores de
estrogênios e inflamação. Por isso, além das vias moleculares da ACE-2 e dos
estrogênios, também detalhamos as vias do RAGE [receptor para produtos finais
de glicação avançada], que está relacionado com inflamação. Acreditamos que o estudo
dessas vias abra perspectivas terapêuticas para o tratamento da COVID-19”, diz
Stilhano.
Além da equipe da Unifesp, o projeto conta com a colaboração
dos pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FM-USP) Ana Cristina Breithaupt-Faloppa
e Luiz Felipe Pinho Moreira.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/hormonios-femininos-podem-ter-papel-protetor-contra-coronavirus/33165/
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