Em meio à experiência que o mundo todo está
vivendo, ainda não é possível mensurar o impacto do distanciamento social em
nossas vidas, dada a complexidade desse fenômeno e a incerteza do que nos
aguarda. É fato, porém, que o estresse, a ansiedade, o medo e a angústia são
sentimentos que, em maior ou menor escala, muitos de nós estamos
experimentando, muitas vezes de forma inconsciente, mas que se expressam em
momentos de agitação, raiva e impaciência.
De maneira abrupta, nossas relações foram
transformadas, a fim de que possamos lidar com esse inimigo que, invisível a
olho nu, em nossa mente é representado como o símbolo do perigo. Mas, o que
podemos aprender com essa experiência? E os pequenos? Como será que percebem e
lidam com essa situação? Para isso, vale a pena refletir sobre dois aspectos: a
resiliência, que é a capacidade que desenvolvemos em nos adaptar a situações
adversas; e a forma como temos educado nossas crianças.
As crianças são muito mais resilientes do que
podemos imaginar, e a tendência natural dos pais protegerem seus filhos,
algumas vezes, pode levar à falsa interpretação de que eles estão sofrendo em
demasia, dadas as limitações que a situação exige. Mas o fato é que eles
descobrem formas incríveis e engenhosas de lidar com as adversidades.
O momento sugere uma reflexão a respeito de como
estamos educando nossas crianças. Não é sem preocupação que temos verificado a
dificuldade de alguns em relação à imposição de limites e de responsabilidades
aos filhos. Muitos têm se eximido dessa árdua tarefa de impor restrições a
eles, o que, inevitavelmente, trará frustrações. Ora, mas um aspecto
fundamental que deveria ser considerado é que a família é o espaço mais
protegido para a criança frustrar-se e sofrer, pois é o local mais cheio de
amor.
Educar uma criança não se restringe a proporcionar
oportunidades para que aprenda e desenvolva competências para um futuro
promissor, mas sim consiste em desenvolver sua autonomia para que tome boas
decisões, o que implica levar em conta o outro, respeitar e ter valores morais
sólidos. Qual seria então o papel da frustração no desenvolvimento, uma vez que
aprender a se colocar nesse mundo, que é muito complexo, exige uma estrutura
emocional que sustente todas as inúmeras adversidades a serem vividas? Se a
criança não aprender a lidar com as inevitáveis frustrações que a vida nos
impõe, é possível que tente, na adolescência e na idade adulta, outros
subterfúgios para sentir-se bem.
Os pais devem cumprir um importante papel de, ao
mesmo tempo, proteger seus filhos, mas também informá-los sobre o que está
acontecendo. Proteger não significa omitir informações, o que pode gerar
ansiedade nas crianças. Sem alarmismos, é importante que a família abra um
canal de comunicação sobre o que está acontecendo e de que forma a família,
junta, irá passar por esse momento. E deixar claro que isso vai passar...
Para os pequenos, o tempo antes destinado a
atividades externas deve ser aproveitado para brincar livremente: a criança
precisa de espaço para a brincadeira, atividade fundamental a um
desenvolvimento emocional saudável. Temos assistido a uma explosão de
criatividade dos pequenos, assim como de muitos pais que, em seus esforços para
atender da melhor forma seus filhos, têm construído cabanas no meio da sala,
ateliês de artes, assim como se transformado em professores e super heróis… Uma
boa ideia é criar um quadro de tarefas para cada pessoa, incluindo as crianças
pequenas... Atividades como molhar plantas, alimentar animais de estimação,
guardar brinquedos e arrumar a cama são formas dos pequenos fazerem parte desse
momento.
O que podemos então aprender com essa pandemia? A
valorizar o trabalho muitas vezes invisível, porém essencial, daqueles que nos
fazem falta agora, ou que estão trabalhando por nós; que as crianças podem e
devem fazer parte das tarefas domésticas, o que lhes trará um enorme senso de
responsabilidade por suas ações (certamente irão refletir antes de deixar
roupas e brinquedos espalhados); ao alimentar seus animais de estimação,
desenvolverão responsabilidade pela vida de um ser; que não precisamos nos
deslocar tantas vezes, evitando assim trânsito e poluição, podendo substituir
algumas atividades físicas pelo meios digitais.
"Quando esta fase passar, o que terá nos
restado?", muito se perguntam. "Será que sairemos dessa situação mais
resilientes para outras que se apresentarão?" Eu aposto que sim, e que os
sobreviventes dessa pandemia serão aqueles que, ao sair dela, conseguirem
ressignificar sua vida. Mas, para isso, nós temos que estar bem, temos que nos
cuidar, afinal de contas, somos a referência para as crianças!
Maísa P. Pannuti - doutora em Educação, é assessora
de Psicologia do CIPP - Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e
Desenvolvimento e supervisora do Serviço de Psicologia Escolar - SerPsi - do
Colégio Positivo.
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