Infelizmente, a “onda” da pandemia causada pelo
novo coronavírus atingiu o Brasil. E, com ela, também chegaram as
funestas consequências da doença, tais como as mortes, o isolamento social, a
lotação dos hospitais e, claro, os graves problemas econômicos.
Contudo, antes que a doença aportasse em terras
tupiniquins, é fato que tivemos tempo de sobra para nos preparar. Afinal, foram
meses observando e assistindo tudo aquilo que ocorria na Ásia e, depois, na
Europa.
A partir das experiências adotadas nos demais
países, já se podia prever, com certa antecipação, o que iria ocorrer por aqui
quando o vírus chegasse. Ou seja, inegavelmente, o Governo teve um período
razoável para elaborar, organizar e, principalmente, propor uma estratégia de
combate à Covid-19 e aos seus efeitos.
Contudo, seguindo à risca aquilo que faz o brasileiro,
deixamos tudo para a última hora. Aliás, a bem da verdade, sequer encontramos o
caminho mais adequado para combater a doença, afinal, enquanto o Governo
Federal insiste numa determinada política de saúde, é fato que os Governos
Estaduais, quiçá porque vivenciam o problema mais de perto, pregam métodos
absolutamente opostos.
De toda forma, visando alcançar essa organização
que nunca tivemos, é bom dizer que, ainda no início de fevereiro, justamente
para que o País pudesse se preparar para a doença, foi publicada a Lei 13.979/2020,
cujo texto regulamenta a adoção de medidas específicas para “o
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do coronavirus”.
Entre as medidas adotadas, merece destaque aquela
prevista no seu artigo 4º, que prevê, textualmente, a possibilidade de ocorrer
a “dispensa
de licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e
insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública”.
É evidente que a excepcionalidade do momento que
atravessamos demanda medidas também excepcionais. Desta forma, por mais que
fosse estranho dar essa “carta branca” aos gestores públicos, seria mesmo
impensável exigir um (demorado) processo formal de licitação para a compra de
máscaras, luvas, aparelhos médicos, respiradores etc.
Realmente, da forma avassaladora como a pandemia
nos atingiu, fica fácil perceber que, caso fosse preciso seguir as exigências
da Lei de Licitações, o nosso (já elevado) número de mortos seria muito maior.
Daí, portanto, ser forçoso reconhecer que o
afrouxamento da Lei de Licitações foi mesmo uma medida salutar, uma vez que
permite uma atuação mais rápida e eficaz dos administradores públicos diante
das urgências do momento.
De toda forma, como tivemos um bom tempo para
prepararmos nossas defesas, imaginava-se, dentro de um ideal de gestão pública,
que as medidas de prevenção e combate ao coronavírus fossem adotadas antes da
pandemia atingir o país.
Assim, o uso da “dispensa de licitação” poderia
ficar restrito apenas às questões realmente urgentes e, principalmente,
pontuais.
Entretanto, na esteira do enorme despreparo até
aqui demonstrado pela Presidência da República – que chegou ao cúmulo de trocar
dois Ministros da Saúde, bem no meio do furacão –, boa parte dos Governos
Estaduais também não se preparou adequadamente para conter a propagação do
vírus.
Com efeito, muito por conta da absoluta ausência de
uma política de saúde pública ordenada e unificada, eis que existe total
desconexão entre a Presidência e os Estados, é certo que a maioria dos
governadores só atinou para a gravidade do problema quando o vírus já batia a
sua porta.
Foi aí, então, que muitos deles, porque fortemente
pressionados pela população para aprimorar e aparelhar as equipes de saúde,
viram-se obrigados, de um lado, a construir, às pressas, hospitais de campanha
e, de outro, a “sair às compras” para adquirir respiradores, ambulâncias,
máscaras e demais itens necessários para melhor combater o novo coronavírus.
Enfim, por conta de uma absoluta incapacidade de
prever o óbvio, muitos agentes públicos foram compelidos a se valer do
excepcional afrouxamento da Lei de Licitações para suprir as suas necessidades
locais.
Contudo, como consequência direta de tamanho
desgoverno, fato é que, sob o binômio “urgência x facilidade”, inúmeros abusos
passaram a ocorrer nas compras dos insumos necessários para o combate da
doença.
Infelizmente, tal fenômeno não chega a surpreender,
afinal, uma vez autorizada a dispensa de licitação, o caminho ficou bem mais
fácil para que os oportunistas voltassem a atacar o erário público.
As tais compras emergenciais tornaram-se uma
alternativa vantajosa para empresários (e, em alguns casos, também para membros
da Administração Pública) inescrupulosos, os quais vêm obtendo grandes
vantagens a partir da desgraça alheia.
Com efeito, desde compras superfaturadas, até a
aquisição de respiradores que ou nunca foram entregues, ou chegaram quebrados e
com defeito, a farra com o dinheiro público tem sido enorme.
É evidente que, uma vez demonstrado o dolo de lesar
o erário, tais comportamentos acabam tipificando delitos, tais como peculato,
corrupção (ativa e passiva), organização criminosa, estelionato, lavagem de
dinheiro etc
Cabe, então, aos órgãos de controle e repressão ao
crime, coibir esse tipo de fraude, para assim assegurar, primeiro, que o
dinheiro público não seja mal utilizado e, segundo, que, em restando provadas
as fraudes e os desvios, sejam os valores devidamente recuperados, para assim
permitir a sua correta aplicação.
Por fim, cumpre ainda dizer que a recente Medida
Provisória n. 966/2020, tão criticada pelo fato de alforriar agentes públicos
de suas responsabilidades civil e administrativa “por ação e omissão em atos
relacionados com a pandemia da covid-19”,
não se aplica aos crimes por eles eventualmente praticados. Isso porque,
consoante expressa previsão constitucional (art. 62, §1º, inciso I, “b”), as
medidas provisórias (ainda bem!) não podem versar sobre matéria penal e
processual penal.
Euro
Bento Maciel Filho - mestre em Direito Penal
pela PUC/SP. Também é professor universitário, de Direito Penal e Prática
Penal, advogado criminalista e sócio do escritório Euro Maciel Filho e Tyles –
Sociedade de Advogados. Para saber mais, acesse - http://www.eurofilho.adv.br/ pelas
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