A investigação é a
primeira no Brasil que observa fatores socioeconômicos associados a desnutrição
e obesidade.
Mesmo obesos, adolescentes
brasileiros ainda possuem traços de desnutrição, conforme mostra um estudo
publicado na edição mais recente da revista PLOS One, uma das mais renomadas na
área de saúde do mundo. Os pesquisadores encontraram a presença das duas
condições especialmente nos estudantes de escola pública, que ainda
apresentaram um aumento dos índices de excesso de peso nos últimos anos. A
investigação, realizada por pesquisadores da Escola de Nutrição da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para
Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), é a primeira no Brasil que observa fatores
socioeconômicos associados a desnutrição e obesidade. “Poucos são os estudos
que trazem estes desfechos nutricionais apresentados de forma simultânea”,
enfatizou a pesquisadora Júlia Uzêda.
A dupla carga de
má nutrição, quando a desnutrição e obesidade se apresentam simultaneamente,
afeta uma parcela pequena dos estudantes (menos de 1%). No entanto, a condição
demonstra que nem sempre uma melhoria nas condições socioeconômicas de vida vem
acompanhada de maior qualidade nutricional.
“Nas últimas
décadas, inclusive em economias em desenvolvimento, como o Brasil, formas de má
nutrição aparentemente antagônicas, como a desnutrição e a obesidade, têm passado
a coexistir no mesmo indivíduo. A dupla carga é um evento raro e ainda pouco
investigado, sendo este o primeiro estudo a avaliar sua prevalência e fatores
socioeconômicos associados em um subgrupo da população brasileira”, explica
pesquisador do Cidacs Natanael Silva, também integrante do estudo.
Sobrepeso
De acordo com os
pesquisadores, houve aumento de sobrepeso entre os adolescentes de todos os
níveis socioeconômicos e, ao mesmo tempo, também aparece nesses estudantes a
desnutrição, revelada pela baixa estatura. Segundo o estudo, os adolescentes
oriundos de escolas privadas têm maior chance de desenvolver excesso de peso em
relação aos estudantes da escola pública. No entanto, explica Uzêda, “essa
diferença entre os grupos foi sendo reduzida”. Entre 2009 e 2015,
enquanto o índice de adolescentes com excesso de peso na rede privada
permaneceu inalterável (28,7%), a taxa entre os da rede pública aumentou de 19%
para 23,1%.
A pesquisa
utilizou dados da primeira (2009) e da mais recente (2015) edições da Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), inquérito que investiga doenças crônicas
não transmissíveis entre adolescentes escolares brasileiros. O grupo comparou
os índices nutricionais de estudantes de 13 a 17 anos, separando entre aqueles
que apresentam somente sobrepeso ou baixa estatura e aqueles que apresentam as
duas condições.
Números
Para esta
investigação, foram selecionadas informações socioeconômicas desses
adolescentes, como escolaridade da mãe, raça, sexo e tipo de unidade escolar dos
adolescentes. Em 2009, responderam ao Pense 31.823 meninas e 27.814 meninos. Já
em 2015, o Pense trouxe 5.317 meninas e 5.453 meninos. No primeiro momento, 140
garotas (0,5%), apresentavam tanto sobrepeso quanto desnutrição, entre os
meninos essa taxa foi de 0,3% (74 indivíduos).
Ainda em 2009,
quando separado o grupo que apresentou os dois desfechos de saúde, de forma
indistinta do sexo, e diferenciando entre estudantes de escola pública e
privada, essa simultaneidade aparece em 29 estudantes do ensino particular
(0,2%) contra 185 do público (0,4%). Isto é, a dupla carga é maior entre
estudantes da rede pública. Em 2015, a taxa de dupla carga aumentou entre os
estudantes de escola privada enquanto os de escola pública continuou estável –
foram encontrados 7 alunos da rede privada (0,3%) e 30 da rede pública (0,4%)
com essa condição. E com relação ao sexo, as meninas ainda são maioria: 0,4%
(20) apresentaram a condição contra 0,3% (17) do sexo masculino.
Fatores
“Esses achados
demonstram que a obesidade tem crescido e vem atingindo cada vez mais a
população menos favorecida socioeconomicamente”, comenta o pesquisador Natanael
Silva. “O aumento do excesso de peso nesse grupo deve-se provavelmente a
melhora das condições socioeconômicas e especialmente a fatores, como o aumento
do consumo de alimentos ultraprocessados e a maior exposição a ambientes
obesogênicos”.
Um dos fatores que
foi associado à dupla carga de má nutrição é escolaridade da mãe dos
estudantes. Os filhos de mulheres que completaram a educação primária revelaram
melhores índices de nutrição, apresentando a metade da taxa de dupla carga do
que os estudantes cujas mães não finalizaram essa etapa.
Uzêda frisa que
“existem fatores que não foram analisados neste estudo, como o consumo alimentar
e, principalmente, a qualidade dos alimentos ingeridos”, mas que as informações
encontradas já podem servir para que políticas públicas se foquem na qualidade
da nutrição.
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