Estudo
feito por pesquisadores da USP aponta que apenas 33% dos recursos recebidos
pelo país entre 2008 e 2018 por meio do REDD+ foram desembolsados e grande
parte dos projetos está atrasada. O REDD+ prevê pagamento aos países em
desenvolvimento que reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa por
desmatamento e degradação florestal (foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)
Embora o Brasil seja o país que mais avançou na implementação do REDD+ (sigla em inglês de Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation), ainda há questões de governança que podem afetar os resultados obtidos por meio desse mecanismo de financiamento do clima.
A iniciativa prevê pagamento aos países em
desenvolvimento que reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa por
desmatamento e degradação florestal. Do total de US$ 1,2 bilhão recebidos pelo
Brasil entre 2008 e 2018, apenas 33% foram desembolsados até abril de 2018,
segundo estudo feito na Universidade de São Paulo (USP) e publicado na revista Climate
Policy. Responsável pela administração dos recursos, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) afirmou que vai considerar os
resultados da pesquisa, pois “a gestão é um campo continuamente passível de
aprimoramentos”.
Resultado de um projeto de doutorado orientado por Isak
Kruglianskas, professor da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade (FEA-USP), a pesquisa contou com apoio da FAPESP.
“Detectamos que, embora o Brasil seja o país que
mais avançou na implementação do REDD+ entre as quase 100 nações apoiadas por
meio de uma abordagem em nível nacional, há fragilidades em alguns elementos da
governança do mecanismo, principalmente em relação aos arranjos de
implementação”, disse Kruglianskas à Agência FAPESP.
“Constatamos que não há um processo formal ou mesmo
claramente estabelecido para a revisão por pares das melhores práticas de
implementação que deveriam ser compartilhadas, multiplicadas e escalonadas em
outras localidades”, disse Vanessa Cuzziol Pinsky, professora da Faculdade FIA de
Administração e Negócios e primeira autora do estudo.
De acordo com Pinsky, que fez estágio de pesquisa
na Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, também com bolsa da FAPESP, o Brasil foi o primeiro país em
desenvolvimento a ser elegível para ter acesso a pagamentos baseados em
resultados do REDD+.
Algumas das razões que contribuíram para isso foram
a capacidade institucional do país de possuir um sistema de monitoramento de
desmatamento por satélite, como o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo
Real (Deter) e o Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica por
Satélites (Prodes), ambos desenvolvidos e coordenados pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Pinsky apurou que, dentre os principais fatores que
levaram o Governo da Noruega a comprometer US$ 1 bilhão ao Fundo Amazônia,
destacam-se: mecanismo para a captação de recursos condicionado à redução das
emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento, comprovadas pelos
resultados do ano anterior, com base nas medições do Inpe; diretrizes
estabelecidas pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA) de contribuir não
apenas com o desmatamento, como também com o desenvolvimento; e apresentação
dos resultados pelo Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA).
Além disso, a Amazônia brasileira gerou as maiores
reduções nas emissões de gases de efeito estufa florestais do mundo entre 2014
e 2018, quando as taxas de desmatamento diminuíram 72% nesse bioma.
Em razão desses resultados, o Brasil tornou-se o
maior beneficiário individual de recursos do REDD+. Recebeu, entre 2008 e 2018,
US$ 1,2 bilhão comprometidos por Noruega, Alemanha e Petrobras no Fundo
Amazônia – um programa especial criado pelo governo federal e gerido pelo BNDES
para a captação de fundos de REDD+, contratação e monitoramento dos projetos e
ações apoiadas. Porém, apenas US$ 394 milhões desses recursos foram
efetivamente desembolsados até abril de 2018 para os projetos aprovados,
apontou o estudo.
“Constatamos, com base nas entrevistas feitas
durante a pesquisa, que essa lacuna entre o pagamento dos doadores do Fundo
Amazônia e o desembolso nos projetos se deve à baixa capacidade de execução dos
fundos pelo BNDES e à baixa capacidade técnica dos agentes governamentais
responsáveis por implementá-los”, disse Pinsky.
Procurado pela reportagem, o BNDES respondeu que “o
valor desembolsado aos projetos, em que pese ser um indicador relevante, talvez
não seja o mais adequado para a análise da eficácia do Fundo Amazônia, já que
as iniciativas apoiadas pelo fundo são de natureza plurianual. Nesses projetos,
como em todos os outros apoiados pelo BNDES, os desembolsos são realizados em
tranches [divisão de contratos], conforme a comprovação de uso das parcelas
anteriores”, disse a instituição em nota.
Segundo o BNDES, atualmente, o Fundo Amazônia tem
R$ 1,9 bilhão contratados, para apoio a 103 projetos. Desse valor, R$ 1,1
bilhão foram efetivamente desembolsados. “É importante ressaltar ainda que,
considerado o pipeline do fundo — isto é, incluindo também projetos já
apresentados ao BNDES e que estão em diferentes estágios de análise para
eventual contratação —, os valores já contratados mais os novos pedidos de apoio
a projetos se aproximam dos recursos disponíveis, mesmo o Fundo Amazônia sendo
o mecanismo de REDD+ que mais captou recursos no mundo”, afirmou o BNDES.
O banco pondera na nota que “a gestão é um campo
continuamente passível de aprimoramentos. Nesse sentido, no que diz respeito ao
BNDES, as conclusões e recomendações do estudo serão devidamente consideradas
com o objetivo de aperfeiçoar, no que couber, as práticas e os procedimentos do
Fundo Amazônia”.
Atraso na execução
Segundo Pinsky, o Brasil adotou uma abordagem
nacional para implementar o REDD+ baseada em uma estrutura de governança
participativa em vários níveis. No topo da estrutura há instituições e órgãos
de nível nacional, incluindo um comitê, uma secretaria executiva e conselhos
consultivos.
O BNDES, por sua vez, é o agente intermediário dos
fundos de REDD+ recebidos de doadores por redução de emissões por meio do Fundo
Amazônia, tem total autonomia para aprovar ou não projetos e faz os desembolsos
por meio de uma estrutura de governança independente. Já a implementação dos
projetos é feita por meio de agentes locais, como governos estaduais e
municipais e organizações do terceiro setor.
Tanto o sistema de governo nacional para a política
florestal quanto o Fundo Amazônia têm processos de monitoramento, sendo que o
primeiro é focado em monitorar, relatar e verificar os resultados na redução de
emissões oriundas do desmatamento em nível nacional e, o segundo, se concentra
na medição dos resultados da implementação de atividades de REDD+ no nível
local. Nenhum deles, porém, tem mecanismos formais de revisão por pares, por
exemplo, que permitam avaliar quais projetos foram bem-sucedidos na implementação
e poderiam ser escalonados para outras regiões do país.
“Apesar de o REDD+ ser um mecanismo que permite aos
países apoiados ter grande liberdade na escolha dos projetos apoiados,
observamos que ainda não há uma governança experimentalista por parte das instituições
nacionais, subnacionais e pelos agentes locais no Brasil. Isso possibilitaria
melhorar a implementação dos projetos de forma que possam ter impactos na
política ambiental do país”, disse Pinsky.
Os pesquisadores verificaram que há atrasos consideráveis
em grande parte dos projetos em andamento executados especialmente por
entidades em nível nacional, governos estaduais e municipais que integram a
carteira de investimentos do Fundo Amazônia. Por outro lado, projetos
executados por organizações da sociedade civil apresentam maior capacidade de
execução, segundo Pinsky.
“Os projetos dos governos federal, estadual e
municipal são os que estão mais atrasados e apresentam maior dificuldade de
implementação”, disse.
Na avaliação de Kruglianskas, o modelo de
governança do REDD+ pelo Brasil ressente-se de um sistema de aprendizagem
efetivo, em que as entidades responsáveis pela implementação das atividades
possam aprender e compartilhar experiências sobre o que deu certo ou não na
prática.
“Mesmo que as abordagens de implementação dos
projetos e programas sejam ligadas aos contextos locais, há uma grande riqueza
potencial relacionada a experimentos em andamento e aos já implementados que
poderiam ser escalonados, bem como lições aprendidas que não estão sendo
registradas e compartilhadas de maneira efetiva pela ausência de arranjos
institucionais que poderiam ser coordenados, por exemplo, pelo Ministério do
Meio Ambiente e pelo BNDES”, disse o professor da FEA-USP.
Elton Alisson
Fonte: | Agência FAPESP
O artigo Experimentalist governance in climate
finance: the case of REDD+ in Brazil (DOI: 10.1080/14693062.2019.1571474),
de Vanessa C. Pinsky, Isak Kruglianskas e David G. Victor, pode ser lido na
revista Climate Policy em www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14693062.2019.1571474?journalCode=tcpo20
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