Estimativa de especialistas, com relação às duas últimas safras, foi levantada a partir de relatos de produtores rurais sobre maiores perdas de produtividade e impactos de até 40% na quantidade de grãos avariados
A anomalia das vagens ou apodrecimento de grãos e
vagens, problema que vem ocorrendo há três safras na cultura da soja,
especialmente no médio norte de Mato Grosso, nos municípios do eixo da BR-163,
continua sendo motivo de observação e pesquisa por parte de especialistas.
Recentemente, um grupo multidisciplinar de pesquisa
liderado pela Embrapa Soja, do qual a Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária
de Mato Grosso (Fundação MT) faz parte junto com outras instituições,
especialistas e produtores rurais, esteve reunido na região. O objetivo do
encontro foi o de acompanhar áreas com o problema e propor uma padronização das
avaliações a serem conduzidas pelas frentes envolvidas.
Diante do cenário encontrado em visitas às
lavouras, o grupo estima que aproximadamente 2,5 milhões de hectares apresentem
incidência de anomalia, em diferentes proporções e graus de intensidade, o que
significa aumento da abrangência com relação às duas últimas safras. Os
especialistas receberam relatos de produtores rurais indicando maiores perdas
de produtividade, aumento da extensão de ocorrência geográfica e impactos de
até 40% na quantidade de grãos avariados.
Felipe Araújo, pesquisador da área de Fitotecnia da
Fundação MT, e Karla Kudlawiec, pesquisadora da área de Fitopatologia da
instituição, participam da frente de pesquisa e destacam que o momento continua
sendo de cautela sobre o diagnóstico das causas do problema. “A partir desse
grupo definimos algumas diretrizes para trabalhar de forma emergencial, fizemos
a unificação de uma metodologia de avaliação para que seja possível comparar
dados e, com isso, queremos entregar para o produtor um resultado robusto, com
informações de repetibilidade”, explica Felipe.
Junção de pesquisas
Há duas safras, a Fundação MT também conduz no
Centro de Aprendizagem e Difusão (CAD Norte), em Sorriso, um experimento com o
objetivo de gerar mais informações sobre a anomalia das vagens. Nesta safra, o
ensaio avalia diferentes cultivares de soja semeadas em três épocas (10/10,
01/11 e 25/11), submetidos a dois programas de fungicidas -, um com manejo
completo e outro sem aplicação -, para fins de pesquisa e caracterização de
cultivares.
A pesquisadora Karla, responsável pela condução do
ensaio, explica que nas outras safras foi constatado que a aplicação de
fungicidas pôde reduzir a ocorrência dos danos às vagens e grãos. Dessa forma,
a partir desta safra os experimentos estão voltados para entender se há
diferenças de eficácia na redução dos sintomas, entre os distintos grupos
químicos de fungicidas que o produtor tem disponível para aplicação. “Com isso,
esperamos colher ainda mais dados para serem divulgados assim que estiverem
consolidados junto ao grupo de pesquisa”, revela.
A pesquisadora também esclarece que outra etapa do
trabalho está sendo conduzida pela Embrapa e busca, num primeiro momento -, a
partir de amostras coletadas no campo -, o isolamento dos microrganismos
presentes em vagens e grãos com sintoma e, numa etapa posterior, o
sequenciamento genético do que foi encontrado. “Isso irá permitir entender se a
ocorrência da anomalia está relacionada a uma nova espécie de algum dos gêneros
já encontrados, ou se esses microrganismos sofreram alguma mutação para reduzir
a sensibilidade aos ativos fungicidas e, se por ventura, teve sua virulência
aumentada”, completa.
O que os resultados indicam até agora
A anomalia das vagens é um problema que está presente
na cultura da soja e não há ocorrências em outros cultivos de Mato Grosso, como
milho e algodão. Entre os sintomas mais típicos está o escurecimento interno da
vagem e de grãos, com maior intensidade no terço médio inferior, e que fica
mais visível nos estádios finais de enchimento de grãos, ao redor de R5.5 e
R.6, próximo à maturação fisiológica. Ao abrir a vagem é constatado o
apodrecimento de um ou mais grãos.
Os pesquisadores da Fundação MT relatam que em
todas as avaliações neste período de três safras, não foi encontrado nenhum
patógeno incomum associado ao problema, e sim fungos dos gêneros Fusarium,
Colletotrichum, Phomopsis, Cercospora e também bactérias, porém, todos já
descritos há muito tempo na cultura da soja. “A maioria desses patógenos são
considerados oportunistas, ou seja, aproveitam-se de condições favoráveis como
uma eventual debilidade da planta, e colonizam o tecido vegetal, causando o
sintoma de apodrecimento de vagens e grãos”, define o fitopatologista.
Araújo destaca ainda que para o patógeno avançar no
processo de colonização e multiplicação, ele precisa de condição ambiental
favorável, como de umidade e molhamento foliar e de tecido, além de
suscetibilidade de um hospedeiro. “Este entendimento é que estamos utilizando
como padrão, pois sabemos que existe algum estímulo externo para essas
situações das lavouras, seja ele edafoclimático (clima e solo), de manejo ou a
junção desses, os quais estão tornando as plantas mais suscetíveis ao ataque
desses microrganismos aproveitadores”, pontua.
Genética
Com relação às cultivares de soja avaliadas no
experimento da Fundação MT, os especialistas verificaram que nenhuma deixou de
apresentar o problema, sendo algumas com maior ou menor intensidade. Também se
constatou que o apodrecimento é mais intenso nas primeiras semeaduras da
janela, enquanto que nas posteriores existe tendência de redução do problema.
“Entendemos que a anomalia não está ligada somente
à época de semeadura, mas sim, a uma junção de fatores”, cita Karla. “Ambiente
favorável ao desenvolvimento de fungos fitopatogênicos/saprofíticos, maior
intensidade em determinadas cultivares e maior ou menor proteção dos fungicidas
utilizados”, completa.
Os profissionais ressaltam que todas as pesquisas e junção de dados também poderão ser úteis no processo de melhoramento genético de cultivares de soja das obtentoras. As empresas poderão trabalhar para selecionar materiais que tenham mais adaptação às situações específicas das lavouras no eixo da BR-163, como é o caso da anomalia das vagens.