Muita gente pergunta em algum momento de sua consulta comigo se os Medicamentos usados para o tratamento terão efeitos deletérios a longo prazo. Não falta informação mal propagada na base dessa pergunta: nos Estados Unidos tem até uma Igreja, ou pseudo Igreja, que se dedica a combater e desacreditar a Psiquiatria, essa jovem dama da Medicina.
Os tratamentos são, como em toda a Ciência Médica,
uma forma de devolver o equilíbrio a um sistema que se desequilibrou, e os
medicamentos, quando bem empregados, ajudam muito na recuperação desse
equilíbrio.
Eles resolvem todos os males do mundo? Não, claro
que não. Mas estando nessa estrada há mais de trinta anos, pude ver os saltos
de compreensão e de recursos que temos hoje para aliviar doenças que estão
entre as mais sofridas para um ser humano.
O que os estudos mostram no decorrer desses anos é
que o excesso de crises e surtos é que geram risco para o futuro dos corações e
mentes das pessoas. Flávio Kapczinski, pesquisador de gabarito internacional da
Doença Bipolar, descreveu o processo de Neuroprogressão. Depois de muito tempo
trabalhando com pessoas que passavam por episódios de Depressão ou de Mania do
Transtorno Bipolar, foi tomando corpo a constatação que os casos em que as
crises aconteciam com mais frequência e gravidade tinham uma pior evolução no
decorrer dos anos.
É como um computador que sofre ataque de vírus e
perde conexões, ficando mais lento e dando pau de forma cada vez mais
frequente. Quanto mais lesão e lixo nos sistemas, mais limitada fica a máquina.
O que está sendo estudado é que a Neuroprogressão não está vinculada apenas à
Doença Bipolar: a somatória de microagressões pode comprometer nossas redes
neurais gradativamente. E isso é fácil de entender: quanto mais doença, pior
para todos.
Nosso Cérebro é uma máquina maravilhosa e bastante
resiliente às micro agressões que sofre todo dia: estressores psíquicos,
biológicos e nutricionais, que podem deixar a máquina mais lentificada, ou com
falhas de operação, piorando a Memória, a capacidade de Foco, a fluidez dos
processamento e a precisão de cumprir seus objetivos. Ter crises depressivas,
burnouts, insônia e processos inflamatórios vão deixando o funcionamento
prejudicado. O contrário disso melhora e expande a capacidade de nossos
neurônios: dormir bem, ter uma dieta com muitos componentes antinflamatórios,
como vegetais, vitaminas e oligoelementos, fazer exercícios e equilibrar períodos
de alta performance com boa capacidade de repouso, tudo isso deixa o organismo
perto do bem estar e do alto desempenho.
É óbvio que nosso organismo é muito, muito mais do
que uma máquina e essa alegoria é apenas um recurso para o entendimento de todos.
Numa Live recente, a entrevistadora deu um
depoimento sobre sua reação a ter tido uma depressão: ela se perguntou – Mas eu
tenho tudo, como isso aconteceu? Perguntei para ela se fosse uma crise de Asma,
ela faria a mesma pergunta. As pessoas não passam por crises por fraqueza ou
ingratidão, elas tem fragilidades genéticas e feridas de Alma que se manifestam
como doença. Quando isso acontece, temos terapias e terapêuticas para buscar a
recuperação. Os medicamentos são uma parte desses recursos, e eu dou graças por
tê-los à mão. Mais ainda, dou graças por compreender melhor o que faz o
“computador” dar pau.
Somos pessoas e organismos finitos. Podemos cuidar
das pessoas cada vez melhor. Para isso, os medicamentos são um meio, não um
fim.
Marco Antonio Spinelli - médico, com mestrado em
psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana
e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.
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