De problemas
cardíacos a infertilidade, doenças genéticas causadas por alterações
cromossômicas afetam a saúde de homens e mulheres em todo o mundo, mas a
maioria dos pacientes não chega a receber o diagnóstico
A síndrome de Klinefelter é uma alteração cromossômica que afeta de 1 a cada 600 homens no mundo, sendo que apenas 25% a 50% dos pacientes recebem o diagnóstico em algum momento na vida. A doença é associada, principalmente, com deficiência na produção de testosterona e infertilidade. Conhecida também como “síndrome XXY”, ela ocorre quando o conjunto cromossômico (na biologia, chamado de cariótipo) apresenta um cromossomo X extra. O conjunto cromossômico do homem é composto apenas por um cromossomo X e um cromossomo Y. As mulheres, por sua vez, não possuem cromossomo Y, mas apresentam duas cópias do cromossomo X.
Quando os dois cromossomos X não estão presentes ou
quando há uma deleção de uma parte deles, a mulher apresenta a síndrome de
Turner, também conhecida como monossomia X. O cromossomo X é o
cromossomo sexual feminino, por isso, essa monossomia afeta somente as
mulheres, que apesar de terem somente um cromossomo sexual, não sofrem
alteração do seu gênero, ou seja, são 100% femininas. As principais
características da síndrome são baixa estatura, alteração no desenvolvimento
sexual como ausência de ciclo menstrual e problemas cardíacos. A síndrome afeta
uma a cada 1 mil mulheres.
Tanto os homens quanto as mulheres possuem 46
cromossomos, mas algumas pessoas podem ter aneuploidias, que são alterações
nesta composição cromossômica, causando síndromes, como as duas citadas acima.
Apesar de síndromes cromossômicas serem responsáveis pela manifestação de
diversos sintomas, nem sempre o diagnóstico e a realização de exames para a
identificação são realizados, por isso preparamos uma lista com os dez
principais fatos sobre as síndromes de Turner e Klinefelter, respondidos pela
geneticista da Igenomix Brasil, Cristina Carvalho.
1 - Quais fatores determinam que uma pessoa tenha a síndrome Turner ou Klinefelter, já que elas não são hereditárias?
As síndromes de Turner e Klinefelter são causadas
por falhas na separação dos cromossomos (na divisão meiótica) no momento da
formação dos gametas, conhecidos como óvulos e espermatozoides. Os gametas
possuem metade da informação genética de um indivíduo, portanto precisam ter 23
cromossomos. Um desses cromossomos é o sexual X para as mulheres ou X e Y no
caso dos homens. Esses erros durante a formação dos gametas ocorrem
naturalmente em homens e mulheres com cariótipo de constituição normal. Por
esse motivo, essas síndromes, apesar de serem de origem genética, na grande
maioria dos casos (80%-90%) não são herdadas. Na síndrome de Klinefelter,
sabemos que 50% a 60% dos casos são resultados de uma falha de divisão do óvulo
materno, uma falha espontânea, que aumenta de acordo com a idade da mãe, assim
como 30% a 40% dos casos ocorrem a partir de uma falha de divisão do
espermatozoide e, em menor proporção (10% a 15% dos casos) o erro acontece após
a fecundação, gerando indivíduos chamados mosaicos, ou seja, parte das células
do corpo da pessoa possui um cariótipo de constituição normal (46,XY) e outra
parte das células possui a aneuploidia 46, XXY. Já na síndrome de
Turner, em cerca de 80% dos casos o erro acontece na formação
do espermatozoide. Há muitos casos de mulheres com a monossomia X em mosaico,
que podem apresentar sintomas muito brandos da síndrome de Turner e até mesmo
não ter qualquer sintomatologia, a depender do grau de mosaicismo existente.
2 – A partir de qual momento as aneuploidias que
causam as síndromes de Turner e Klinefelter podem ser detectadas?
As alterações cromossômicas que causam as síndromes
de Turner e Klinefelter podem ser detectadas de forma precoce a partir da
décima semana de gestação, sem colocar em risco a gravidez. Pode ser feita uma
triagem por meio do teste pré-natal não invasivo (NIPT), no qual se analisa o
DNA Fetal presente no sangue materno. O teste é capaz de rastrear estas e
outras alterações cromossômicas no feto, porém é preciso lembrar que o NIPT não
é um teste diagnóstico e, portanto, será necessária a confirmação pelo teste de
cariótipo. O diagnóstico também pode ser feito após o nascimento através do
exame de cariótipo, que analisa a quantidade e estrutura dos cromossomos da
pessoa. O diagnóstico após o nascimento geralmente ocorre durante a infância ou
início da adolescência, quando há o atraso do desenvolvimento da puberdade.
Quando o diagnóstico não é realizado nessa fase, pode ocorrer na fase adulta,
após procura por tratamento de infertilidade. A principal característica da
síndrome de Klinefelter em homens adultos é a azoospermia (ausência completa de
espermatozoides no sêmen). Portanto, o resultado do exame espermograma poderá
levantar a suspeita, que deve ser confirmada com a análise do cariótipo.
3 - E no caso da mulher, como identificar a
síndrome de Turner?
No geral, estas meninas têm uma estatura mais baixa
(em torno de 1´40 metros de altura) do que a esperada durante o crescimento.
Outro fator importante de identificação é a ausência da primeira menstruação,
chamada de amenorreia primária, no período regular de desenvolvimento das
características sexuais secundárias. Esta ausência da menstruação está
normalmente ligada a alteração da formação dos ovários nestas meninas, os
chamados ovários em fita, que condicionam a correlação com a infertilidade.
Além disso, são comuns as alterações cardíacas e, em alguns casos, podem ser
mais graves. Vale ressaltar que não são todos os casos que seguem o mesmo
padrão de sintomas.
4 – É possível que essas síndromes sejam causadas
por alterações cromossômicas presentes nos pais?
Apesar dessas alterações genéticas não serem
herdadas na grande maioria dos casos, as síndromes em questão podem decorrer de
alteração no cariótipo de um dos indivíduos do casal. A maior frequência de
alteração presente em um dos genitores é o mosaicismo em baixo grau, ou seja,
um dos dois no casal já apresenta uma das condições de forma extremamente leve,
por exemplo um mosaico para Turner presente em 15% das células avaliadas no
cariótipo. Neste caso a mulher não tem qualquer sinal ou sintoma da síndrome de
Turner e engravida naturalmente. Aqui podemos ter a passagem da doença com um
risco maior do que o populacional. O mesmo raciocínio é válido para o caso da
síndrome de Klinefelter. A maioria esmagadora de casos de Turner e Klinefelter
são de erros de divisão durante a formação dos gametas, ou seja, na meiose.
5 - Tanto a síndrome de Turner quanto a
de Klinefelter podem ser detectadas assim que o bebê nasce?
O exame para identificar as alterações de
Klinefelter e Turner é o cariótipo. O teste do pezinho não consegue identificar
estas síndromes. O que nós geneticistas gostaríamos é que todos já pudessem
nascer e ter o cariótipo feito na maternidade. Este é um teste antigo, que
atualmente está se tornando é mais acessível em termos financeiros. Sendo
assim, não vejo porque não o incluir como um padrão igual ao teste do pezinho.
Isso seria muito importante, pois evitaria muita dor de cabeça para
casais no futuro em termos reprodutivos.
6 - É possível para o homem contornar a
infertilidade provocada pela síndrome de Klinefelter?
Quando você faz uso de técnicas mais avançadas de
Urologia, isso se torna mais fácil. É possível, por exemplo, realizar uma
microcirurgia para a retirada do material espermático da bolsa escrotal,
chamada de microTESE. Com este procedimento, os urologistas conseguem reverter
alguns casos, em outros, não. A microTESE precisa ser seguida do procedimento
de fertilização in vitro. É altamente recomendado que os embriões gerados
nesse procedimento sejam testados geneticamente antes da sua transferência,
pois homens com Klinefelter apresentam risco aumentado de obter embriões com
aneuploidias envolvendo os cromossomos sexuais.
7 - Há avanços tecnológicos para ajudar na questão
da infertilidade na síndrome de Turner?
Para as meninas que são Turner puras (todas as
células apresentam a alteração), a alternativa é uma recepção de óvulos. Então
a mulher pode adquirir o óvulo de um banco de óvulos, realizar a fertilização
in vitro e transferir o embrião para o útero dela. Lembrando que, em cada caso,
o médico que está acompanhando a paciente vai precisar investigar se o útero
dela está com todo o tecido preservado, se este não tem alguma alteração
estrutural que possa dificultar ainda mais a implantação embrionária. É preciso
avaliar caso a caso, mas temos opções bem factíveis nos dias de
hoje.
8 – Quais são as principais manifestações clínicas
que alertam para a possível ocorrência da síndrome de Turner?
As principais são baixa estatura e a alteração no
desenvolvimento sexual. Neste caso, não precisa de nenhum exame muito
aprofundado, basta fazer o exame do cariótipo. Para meninas, o ponto chave, que
chama a atenção, é a ausência de menstruação. Dos 11 aos 14 anos, geralmente é
a época da primeira menstruação, por isso o acompanhamento ginecológico é
importante desde o início. Caso a menina não tenha menstruado dentro desse
período, é indicado o ultrassom para verificar a situação dos ovários e a
confirmação da síndrome se dá por meio da realização do exame do
cariótipo.
9 - Entre as principais manifestações clínicas da
síndrome de Klinefelter está a alta estatura. Isso dificulta que o menino seja
encaminhado – antes de crescer – para realização de um teste genético?
De forma geral, o período do estirão de crescimento – que ocorre na
transição entre a infância e adolescência pode levantar a suspeita do pediatra,
pois estes meninos costumam estar sempre acima do limite superior da escala,
chamado de percentil 90. A puberdade ocorre na idade correta, mas o
desenvolvimento dos testículos não, permanecem pequenos e as características
sexuais secundárias não se desenvolvem. Diante da dificuldade de identificar as
manifestações clínicas precocemente, os pacientes acabam descobrindo a síndrome
de forma tardia ou em alguns casos nunca recebem o diagnóstico. Em média,
50% dos pacientes recebem o diagnóstico em algum momento na vida, perdendo a
oportunidade de realizar tratamento de reposição hormonal e ter uma melhor
qualidade de vida.
10 – Quais são as características mais frequentes
nas síndromes de Turner e Klinefelter?
Na síndrome de Turner, as características mais frequentes
são estatura baixa; nascimento de cabelo baixo, na parte posterior do pescoço;
deficiência no funcionamento do hormônio da tireoide (hipotireoidismo); pressão
arterial alta (hipertensão); problemas renais; malformações cardíacas
congênitas; leve desenvolvimento dos seios, anomalias esqueléticas e peso
elevado. Já as características frequentes das pacientes com síndrome de
Klinefelter são azoospermia (ausência completa de
espermatozoides no sêmen); estatura maior que o considerado dentro da
normalidade, com grande estirão de crescimento na adolescência; ginecomastia
(desenvolvimento de glândulas mamárias); na fase adulta, alguma deposição de
gordura na região abdominal, como as mulheres geralmente fazem como
consequência da presença de um cromossomo X e outra característica é a
dificuldade na maturação dos caracteres sexuais secundários, como a formação de
pelos no corpo.
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