Especialistas
em Direito do Trabalho explicam as principais mudanças previstas na Medida
Provisória 1.108/2022 que determina condutas para trabalho remoto e novas
regras para o auxílio-alimentação
O Senado aprovou na quarta-feira (3), a Medida Provisória que altera as regras para a concessão do auxílio-alimentação pago aos trabalhadores e regulamenta o teletrabalho. Para facilitar o entendimento sobre o que muda ou não a partir de agora, Érika de Mello e Marina Barros, especialistas em Direito do Trabalho do escritório PG Advogados, analisaram o projeto e destacaram os pontos que mais impactam empregadores e empregados.
1. O que de fato
essa MP altera nas relações trabalhistas?
Os principais pontos
tratados na Medida Provisória (MP) nº 1.108/2022, publicada em
28 de março deste ano, e que teve o projeto de conversão em lei aprovado,
são alterações nas regras do auxílio-alimentação pago pelos empregadores e a
regulamentação sobre o teletrabalho ou trabalho remoto.
2. O que mudou sobre o
auxílio-alimentação?
A MP 1108 alterou a Lei
nº 6.321/1976, que institui o Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT) para
tornar mais rígida a concessão do vale-refeição e do
vale-alimentação. Neste sentido, a MP determina que o valor
pago pelo empregador para auxílio-alimentação
apenas deve ser utilizado para este fim, ou seja, para
aquisição de refeições ou gêneros alimentícios. A destinação ou a
execução indevida do auxílio-alimentação pode gerar multa de até
R$ 50 mil aos empregadores e às empresas emissoras dos
vales. Em casos de reincidência ou embaraço à fiscalização,
essa penalidade pode ser dobrada ou até mesmo levar a empresa ao
descredenciamento PAT, fazendo com que se perca o incentivo
fiscal previsto na Lei nº 6.321/1976. Ainda, para evitar repasses de
custos indevidos aos empregados pelos estabelecimentos comerciais e
restaurantes, a MP proibiu aos empregadores exigir ou receber deságio ou
desconto sobre o valor contratado.
Aqui temos um ponto de
atenção importante para as empresas que, nos últimos anos, têm flexibilizado
alguns benefícios para atender a dinâmica das relações de trabalho
contemporâneas, permitindo, assim, que o valor pago a título de
auxílio-alimentação seja utilizado pelos empregados da forma como eles preferirem.
Essa flexibilização, com a nova regra, pode gerar problemas para os
empregadores, que vão desde as penalidades impostas pelo Projeto de Lei,
mencionadas acima, até a caracterização dos valores pagos como verba de
natureza salarial, sujeita a reflexos nas demais verbas e encargos.
3. O trabalhador
pode resgatar o benefício?
Sim. O texto aprovado do
Projeto de Lei reproduz as disposições da MP 1.108/22 quanto ao
auxílio-alimentação mas, também, traz novidades quanto à
possibilidade da portabilidade gratuita do serviço mediante solicitação do
trabalhador e a opção do trabalhador sacar o saldo que não for
utilizado após 60 dias.
Essa medida tende a
coibir uma irregularidade muito comum, que é a venda dos valores de auxílio-alimentação
a estabelecimentos, pelos empregados, e com descontos, destinando o saldo para
outras finalidades.
4. Sobre o teletrabalho, o
que caracteriza essa modalidade?
As disposições
sobre o teletrabalho incluídas pela MP 1.108/22 foram integralmente
mantidas no texto aprovado pelo Senado. Assim, o regime de
teletrabalho ou trabalho remoto passa a ser definido como aquele
desempenhado fora das dependências do empregador, com a utilização de
tecnologias de informação e comunicação, mas que não deve se enquadrar
como trabalho externo, independentemente de o trabalhador ficar a maior
parte do tempo fora das dependências do empregador - ou não -, como previa a
CLT antes. Ou seja, aqui a diferença da regra anterior é de que ainda que
o trabalhador realize suas atividades a maior parte do tempo presencialmente no
local indicado pelo empregador, se houver parte do tempo fora desse local, será
considerado teletrabalho ou trabalho remoto e as regras específicas deverão ser
observadas.
5. Neste cenário, como os
empregadores podem fazer a
gestão da carga horária trabalhada?
De fato, a MP trouxe uma
importante alteração na Lei Trabalhista referente à jornada
dos empregados que trabalham no regime de teletrabalho ou trabalho remoto.
Isso porque a Lei nº 13.467/2017 havia alterado a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) para excluir esses trabalhadores do
controle de jornada e, via de regra, não tinham direito a receber horas
extras e adicional noturno. Essa dispensa do controle de jornada
gerava debates e entendimentos divergentes desde 2017, porque o Tribunal
Superior do Trabalho há muitos anos já tinha fixado o entendimento de que o
controle de jornada, em qualquer circunstância, inclusive no trabalho externo,
só seria considerado dispensado nas situações em que efetivamente não houvesse
meios para que fosse realizado, o que normalmente não ocorre quando os
profissionais trabalham fora da empresa, mas logados em sistema corporativo.
Nesse sentido, a MP
1.108/22, mantida pelo Senado, expressamente determina o controle de
jornada dos empregados em teletrabalho, salvo se forem
contratados por tarefa ou produção, porque nesse caso realmente não haverá uma
jornada fixada, logo, não há o que controlar.
6. Como ficam as
condições para estagiários e aprendizes?
O Projeto de Lei
aprovado prevê que o teletrabalho ou trabalho remoto também pode ser aplicado
aos estagiários e aprendizes. Nesses casos, as regras já existentes na CLT
e trazidas pela MP para essa modalidade se aplicam a esses indivíduos.
7. Se o trabalhador
realiza a atividade em cidade ou país diferente da empresa, qual lei deve ser
seguida?
Esse trecho do Projeto
de Lei trouxe uma definição importante para um ponto que gerava muitas dúvidas
para empregados e empregadores, principalmente porque estamos vivendo uma
dinâmica muito diferente com a globalização das relações de trabalho nos
últimos anos, inclusive com o crescimento do que hoje se denomina nômade
digital, o profissional que trabalha on-line de qualquer lugar do mundo.
Segundo o texto
aprovado, devem ser aplicadas as leis e normas relativas à base
territorial do estabelecimento ao qual o empregado está vinculado, ainda
que ele opte por trabalhar fora do país. A lei só
muda nas hipóteses previstas na Lei nº 7.064/1982, que dispõe
sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar
serviços no exterior ou diante de alguma previsão contratual diferente
entre o empregado e a empresa.
Apesar de o texto
aprovado prever que pode haver previsão contratual diferenciada entre
empregador e empregado sobre esse tema, é importante destacarmos que qualquer
alteração nas condições dos contratos de trabalho em andamento requer análise
detalhada dos impactos que serão gerados, pois a CLT prevê que, mesmo por mútuo
consentimento, só são consideradas válidas alterações que não resultem, direta
ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula.
8. É possível
formalizar o teletrabalho na carteira de trabalho do empregado?
A CLT não
só permite como determina que é obrigatório constar em contrato de
trabalho a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho ou trabalho
remoto, contudo, ao contrário do que era previsto pela Lei nº 13.467/2017, no
contrato de trabalho não há mais necessidade de especificar quais atividades
serão realizadas pelo empregado para a validade do regime. Uma
informação muito importante é que o texto aprovado isenta o
empregador de pagar as despesas de retorno ao trabalho presencial se
o empregado optar por realizar o teletrabalho ou trabalho
remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo acordo
individual entre as partes em sentido contrário.
Lembrando que continua
sendo uma decisão exclusivamente do empregador a possibilidade de determinar o
retorno do empregado ao trabalho presencial, desde que seja avisado com
antecedência mínima de 15 dias.
9. Todas as pessoas
podem trabalhar sob o regime do teletrabalho ou existe alguma especificação?
Se as atividades forem compatíveis
com o trabalho remoto ou teletrabalho, todos os empregados podem ser alocados
para essa modalidade, contudo, a medida determina que os
empregadores devem priorizar os empregados com deficiência
e aqueles que têm filhos ou criança sob guarda judicial até
quatro anos de idade.
Nesse ponto é essencial lembrarmos que as atividades remotas
requerem compromisso diferenciado tanto do empregador quanto do empregado, pois
não dispensam nem que o empregador fiscalize as atividades e apoie os
profissionais, tampouco que os profissionais prestem contas e executem o seu
trabalho conforme determinado. Falhas de comunicação e conflitos se mostraram
comuns em um cenário em que as pessoas ainda estão se adaptando às relações de
trabalho realizadas fora dos sistemas presenciais e em um contexto
pós-pandemia, que gerou muitas mudanças nas culturas corporativas, bem como na
vida pessoal e na saúde mental dos indivíduos. Por isso, as regras devem ser
claras e a comunicação eficiente por parte de todos os envolvidos.
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